O Festival de Cinema de Gramado chega na sua 49º edição, que começa nesta sexta-feira, 13, e vai até o dia 21 de agosto. O festival mostra personalidade e ousadia ao trazer, entre os sete filmes escolhidos da competitiva nacional, realizadores desconhecidos e/ou estreantes, mesmo com alguns filmes na bagagem. O Esquina, que entrevistou um dos curadores do festival, Marcos Santuario (leia entrevista completa no final da matéria), o indagou para que caminhos esses filmes apontam.
“O recorte que, naturalmente, levou para uma seleção de produções de realizadoras e realizadores que ainda não são tão conhecidos do público, foi consequência de um trabalho elogiável destes diretores e destas diretoras. É sempre um vento de esperança nas produções do futuro, já que no presente surgem novidades que chamam a atenção por sua ousadia, ou por sua criatividade, e por outros elementos internos de cada filme”.
Assim com no ano passado, o festival será on-line e transmitido pelo Canal Brasil, por conta da pandemia de Covid-19, onde se poderá assistir aos sete longas nacionais da mostra competitiva, os quatro filmes latinos, além dos 14 curtas brasileiros. O festival, que tem uma mostra dedicada aos filmes gaúchos, tanto de curtas como de longas, será transmitido pelo TVE-RS. São quatro longas e 23 curtas gaúchos. O espectador poderá acessar os filmes pelo streaming da Globoplay.
Seleção Nacional de Longas
A mostra competitiva nacional do Festival de Cinema de Gramado, com seus sete longas, todos ficcionais, traz diretores com alguns filmes na bagagem, mas ainda desconhecidos do grande público, como Aly Muritiba, com alguns filmes no currículo, que apresenta Jesus Kid, protagonizado por Paulo Miklos, no papel de um escritor de western em dificuldades financeiras.
Ainda tem Renata Pinheiro, pernambucana, que começou na carreira na direção de arte, e estreou como realizadora no longa Amor, Plástico e Barulho. Para Gramado, a diretora apresenta o seu terceiro longa, Carro Rei, que tem no elenco Matheus Nachtergaele, numa história que mistura gêneros, da ficção cientifica, ao drama, passando pelo fabular com forte viés político.
Dentro os filmes selecionados, uma diretora estreante, Cláudia Pinheiro, de São Paulo, que apresenta O Novelo, um filme com elenco majoritariamente de negros, que conta a história de irmãos criados sem pai e que aprenderam a fazer tricô ainda criança. E o diretor de televisão Pedro Peregrino, carioca, que debuta com A Suspeita, um thriller policial, protagonizado pela atriz Glória Pires, no papel de uma investigadora que tem Alzheimer. A outra realizadora da lista, Cristiane Oliveira, do Rio Grande do Sul, que traz A Primeira Morte de Joana, já tem no currículo o longa Mulher de Pai, que estreou recentemente no streaming.
Completando a lista dos longas da mostra competitiva, Homem Onça, de Vinícius Reis, um filme sobre um homem que se aposenta e vai morar na sua cidade natal, vivido pelo ator Chico Diaz. Ele já havia trabalhando num dos longas realizados pelo diretor, Noites de Reis (2012) e Álbum em Família, de Daniel Belmonte, sobre uma trupe de atores, entre eles, Otávio Müller, que em meio a pandemia de Covid-19 decidem ensaiar uma peça de Nelson Rodrigues, Álbum em Família. Belmonte dirigiu B.O. (2019).
Entrevista com o curador Marcos Santuario:
Esquina da Cultura: A 49º edição do Festival de Cinema de Gramado contou com a curadoria de longas nacionais e latinos da atriz argentina Soledad Villamil e de você, Marcos Santuário, não mais do apresentador, jornalista e diretor, Pedro Bial. Por que a saída do Bial, por que vocês não chamaram um terceiro nome, como era usual em outras edições e como foi a curadoria com Soledad. Pensam em chamar um terceiro nome no próximo ano?
Marcos Santuário: O [Pedro] Bial foi importante na edição anterior, pois pôde participar vendo filmes e debatendo sobre eles comigo e com a Soledad [Villamil}. Como deve ser a relação entre um grupo de curadores. Ele solicitou não estar em 2021 por conta de várias outras atividades que foram surgindo em suas outras atribuições no universo da comunicação. Para o anão que vem, nos 50 anos de Festival, haverá, sem dúvida, novidades na curadoria.
Esquina: A seleção de longas da mostra competitiva nacional tem sete filmes, de diretores e diretoras ainda não tão conhecidos, alguns dirigindo seu primeiro longa. Para que caminho ou caminhos essa cinematografia atual do cinema brasileiro presente em Gramado aponta (m). Quantos longas foram vistos para se chegar a esse número de sete. De que maneira as questões geográficos, sociais e de gênero entraram no critério de seleção?
Marcos: Nós assistimos quase 200 longas, entre brasileiros e estrangeiros, inscritos para esta edição. Isso além daqueles que assistimos antes mesmo de serem inscritos, em outros festivais internacionais e mesmo aqueles enviados por seus realizadores para uma primeira aproximação conosco. O recorte que, naturalmente, levou para uma seleção de produções de realizadoras e realizadores que ainda não são tão conhecidos do público, foi consequência de um trabalho elogiável destes diretores e destas diretoras. È sempre um vento de esperança nas produções do futuro, já que no presente surgem novidades que chamam a atenção por sua ousadia, ou por sua criatividade, e por outros elementos internos de cada filme. Naturalmente também foram surgindo produções de várias geografias, de vários gêneros, tanto na produção em si, quanto no perfil de quem realizou cada obra. O melhor de tudo é quando a gente não precisa forçar equilíbrios entre estes aspectos. Se impõem, então, a qualidade cinematográfica, o rigor de criação e outros fatores inerentes à arte fílmica.
Esquina: Um dos sete longas da mostra competitiva nacional é do Rio Grande do Sul, A Primeira Morte de Joana, de Cristiane Oliveira, que tem uma mostra paralela somente com filmes do estado, com curadoria própria. Há alguma espécie de “cota” ou pressão para colocar um filme gaúcho na seleção nacional, já que tem uma visibilidade maior e consequentemente “prestígio”. Como vocês equilibram esse jogo de interesse?
Marcos: Seguramente tem torcida. Assim como dos demais Estados. Mas na curadoria o que se impõe é a produção em si, e quem é selecionado sabe que o foi pelo resultado de seu trabalho e não por acomodações de qualquer ordem. Temos tido, nestes dez anos em que estou na curadoria, uma liberdade total para selecionar ou não qualquer obra que se apresente. E isso é o que dá maior prazer, mas também maior responsabilidade. Até agora, ao que parece, os critérios que nos guiam têm nos levado a bom caminho.
Esquina: Uma das críticas que se faz ao Festival, desde que ele passou a ser on-line no ano passado, por conta da pandemia de Covid, é que ele é exibido num canal de streaming que nem todos têm acesso, o Canal Brasil. Além disso, a mostra gaúcha de longas e curtas é exibida dentro de outro streaming que é Globoplay, com acesso restrito também. Por que não democratizar melhor o acesso do público a programação do festival. O que poderia ser feito para melhorar esse acesso?
Marcos: A saída encontrada no ano passado, com todo mundo sendo pego de surpresa pela pandemia de Covid-19 pareceu acertada, ao reunir um dos parceiros do Festival, o Canal Brasil, para explorar esta possibilidade de viabilizar a exibição dos filmes no momento em que não se pode pensar em aglomerações. Deu muito certo. Foram milhões de visualizações dos filmes e debates, pelos números do próprio Canal. Isso nos aponta que a saída encontrada foi a melhor possível no momento, e utilizada por outros festivais depois do [Festival de Cinema] de Gramado. Esperamos não precisar voltar a ela nos próximos anos como única forma de viabilizar o evento, mas torna-se uma possibilidade presente que, sem dúvida, pode ser aperfeiçoada, com mais investimentos, gerando ainda mais engajamento de audiências.
Esquina: Comente a mostra de longas latinos, que conta apenas com quatro filmes. Por que o número de filmes não foi maior?
Marcos: Entre as adequações que tiveram de ser feitas para a realização do evento deste ano, a redução do número de filmes não brasileiros foi uma das que pareceu necessária. Depois de meses sem o ingresso normal de recursos em função de eventos que foram cancelados ou mesmo tornados virtuais, o aporte financeiro para o Festival acabou se reduzindo, exigindo adequações em diferentes segmentos. Claro que isso não deverá se repetir quando o Festival regresse ao formato presencial, pois as produções estrangeiras respondem por importante nível de qualidade e ineditismo no universo de longas apresentados no evento.
Esquina: Quando o festival voltar a ser presencial, esperamos que no próximo ano, vocês continuaram com a parceria com o Canal Brasil, que melhorou o acesso de quem não pode ir a Gramado?
Marcos: O Canal tem sido grande parceiro e, nestes dois anos, ainda mais próximo, proporcionando importante janela que viabiliza o Festival, mantendo ainda o titulo de mais antigo Festival de Cinema do Brasil realizado de forma ininterrupta desde sua criação [O Festival de Brasília é mais antigo do que o Festival de Cinema de Gramado, mas em decorrência da ditadura militar a partir de 1964, deixou de realizar o evento por três anos]. No que depender do olhar da curadoria, esta parceria deve seguir sim, ampliando-se e descobrindo novas formas de cumprir com seus objetivos. Nestes dois anos, o virtual e o streaming têm sido uma saída criativa e possível. Imagino que nos próximos anos isso permaneça presente como possibilidade a ser explorada, mas como coadjuvante, tendo a presencialidade ainda como valor fundamental, propiciando encontros e renovando os ares do audiovisual a partir das relações que se estabelecem e se fortalecem em um evento como esse.
Esquina: Por último, qual o tom político que o festival dará este ano em resposta ao descanso abissal do governo federal em relação à cultura e especialmente ao cinema, que culminou com o incêndio num dos depósitos da Cinemateca Brasileira em São Paulo?
Marcos: O Festival exibe filmes, cria ambientes para discussões e debates. As questões políticas ou sociais acabam surgindo em meio a tudo isso, mas parte daqueles que encontram no evento um ambiente aberto às diversas opiniões e aos diversos posicionamentos. Ao selecionar filmes, nos sentimos contribuindo com um olhar ainda mais positivo sobre a cultura, a arte e o audiovisual brasileiro e latino, deixando à mostra sua força criativa, seu vigor temático e sua capacidade de gerar riqueza para nossos países. Isso é uma resposta cabal para quem ainda não conhece ou reconhece este enorme potencial que existe no universo da cultura, pelo braço do audiovisual.
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