Para Duca Rachid e Thelma Guedes, o maior desafio de escrever uma novela é conseguir ser popular sem ser popularesco. Autoras de sucessos como Cordel Encantado e Joia Rara — esta última vencedora do Emmy de melhor novela — as “meninas” da Globo acreditam que o público tem um desejo de arte no entretenimento que não deve ser subestimado. “Em Cordel Encantado nós colocávamos referências que, mesmo que o público não conhecesse, daria uma introdução a ele”, diz Thelma. “O repertório é para você tirar a história de algum lugar”, ressalta Duca.
Apesar do trabalho em dupla, as novelistas ressaltam a insanidade da rotina de roteirista. Mais que escrever, é necessário viver a novela — período que dura cerca de dois anos, entre a estruturação da sinopse e o desenvolvimento dos capítulos já no ar. “Nós somos duas loucas exigentes”, brinca Duca.
Ao escrever em parceria, as duas destacam uma série comportamentos necessários para que o resultado seja o melhor possível. “A gente nunca destrói a ideia uma da outra”, explica Thelma, “pois chega um momento que a ideia não é de ninguém”. Assim, há o que elas chamam de dinâmica da transformação: quando algo que uma odeia vira uma coisa que as duas adoram. “É preciso deixar a competição de lado e pensar no que vai ser bom para o produto. O bom pra você é que o resultado seja legal”, diz Duca.
Seja para livros ou para telenovelas, o autor deve, segundo Duca, olhar as pessoas como personagens. Jornalista, a autora começou na TV portuguesa escrevendo roteiros infantis. “Eu gosto de ouvir conversa no mercado, ver pessoas”. Para ela, isso é uma espécie de termômetro com o público. Como uma desconhecida, assistia Cordel na padaria para ouvir o que as pessoas diziam e afirma: “novela tem que ser uma coisa muito radiofônica, principalmente as das seis e das sete. Nesse horário as pessoas não sentam para assistir, então tem que ter ritmo”.
A necessidade de arriscar
Ao admitirem que há um desgaste do gênero telenovela, a dupla diz que é preciso propor o risco. Foi o que aconteceu com Cordel Encantado, em 2010. Para ambas, só isso é capaz de reinventar o gênero e transformar os clichês em algo diferente. “O clichê é uma fonte nossa. É como transformar o capim em um bolinho fritinho de capim. O clichê é quase um clássico”, brinca Thelma.
Além disso, segundo Duca, a história tem que ser soberana para não se descaracterizar e virar um Frankeinstein para agradar a audiência: “não há formula [do sucesso]. Tem coisa que toca e que não toca o público. E a gente se nega à apelação”, diz. Thelma frisa entre risos: “pode não ter Ibope, mas a gente sai de cabeça erguida”. Essa situação ocorreu em 2014 com a novela Joia Rara, que teve média de apenas 18 pontos, considerada baixa para o horário da época, mas conquistou o Emmy Internacional de Melhor Telenovela.
Mesmo comandando a novela a quatro mãos, a dupla escreve o desenrolar das histórias com uma equipe de colaboradores, que consideram essenciais para a escrita . A prática de escrever com um grupo de escritores foi inaugurada por Gilberto Braga na década de 70. Antes disso os autores conduziam sozinhos a escrita dos capítulos - Glória Perez é a única atualmente que não possui equipe.
As autoras dizem trazer os colaboradores para o centro da escrita para incorporá-los na produção: “eles são é uma rede de proteção para o autor”, diz Thelma. Para Duca, eles também têm a obrigação de apontar erros. E choraminga: “estamos sem colaboradores no momento. Todos estão como autores titulares, o que é uma felicidade!”
A dupla diz gostar de mesclar colaboradores mais jovens com aqueles mais experientes, mas afirmam que é necessária uma relação emocional com a equipe. “Tem que rolar identificação, tem que conversar antes. Não basta somente ler o texto”, explica Duca.
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