Qual o jeito certo de criar uma criança? Como lidar com a primeira infância? Tem jeito certo, jeito errado? O que fazer, o que não fazer? É a partir dessa inquietação que nasce Dos 3 aos 3, longa-metragem dirigido por Pablo Lobato e que pode ser assistido nos cinemas desde a última quinta-feira, 4 de maio, em São Paulo, Rio, BH, Brasília, Curitiba, Palmas, Porto Alegre e Salvador.
Para isso, Pablo acompanha o crescimento de Ravi, dos três meses aos três anos, que tem uma criação lúdica. Afinal, ele foi criado por Bianca Bethonico à luz dos saberes da pediatra austríaca Emmi Pikler. A mãe, pedagoga e estudiosa da abordagem, realizou o longa junto a Lobato e compartilha no filme suas alegrias, ansiedades e conquistas na criação do filho. Mesmo que pouco difundidos por aqui, os estudos de Pikler vêm ganhando cada vez mais espaço no Brasil.
"Filmamos por cerca de 8 anos, entre 2013 e 2021. Nos primeiros três anos com maior constância, depois, alternando períodos com mais e menos filmagens", comenta Pablo Lobato, o cineasta que assina a direção do longa-metragem, em entrevista ao Esquina. Logo abaixo, confira a entrevista completa com ele, que fala sobre desafios de gravação e linguagem do filme.
Esquina da Cultura: Me conta de onde veio a ideia do filme.
Pablo Lobato: Veio da experiência de observar e gravar Ravi em desenvolvimento. Bianca Bethonico me fez esse convite para acompanhar o seu segundo filho e naquele momento o intuito não era fazer um filme e sim estudar e aprender com a criança. Além de mãe de Ravi, Bianca é pedagoga e estudiosa da Abordagem Pikler. Sua relação com a primeira infância se encontrou com meus interesses como artista. Foi dessa confluência de vontades, o nascimento do filme.
Esquina: Dos 3 meses aos 3 anos é muito tempo. Como foi o desafio da edição?
Pablo: Filmamos por cerca de 8 anos, entre 2013 e 2021. Nos primeiros três anos com maior constância, depois, alternando períodos com mais e menos filmagens. Eu e Bianca fomos nos conhecendo e encontrando um modo colaborativo, mais dedicado aos fenômenos presentes na formação da criança, sem deixar a vontade de fazer o filme atropelar essas vivências.
Tivemos bons momentos para aprender, escrever, conversar e ensaiar. Durante as pausas olhávamos juntos o que estava sendo colhido. A pandemia nos fez experimentar outros caminhos, convidando estudiosos e leigos para refletirem a partir das imagens que tínhamos começado a editar. Meu convite foi para que aceitássemos que as nossas experiências guiassem a feitura do filme e não o contrário. Dessa forma a montagem aconteceu enquanto filmávamos, durante a escrita do roteiro, um filme-ensaio. Nos últimos meses de montagem, contamos com a sensível colaboração da montadora Marília Moraes, que assina montagem adicional.
Esquina: Achei interessante a linguagem do filme, em mesclar retratos do cotidiano do Ravi com teoria da abordagem Pikler. Como foi essa costura do roteiro, em trazer esses dois universos?
Pablo: Passei esses últimos anos bastante envolvido com as artes plásticas, no ateliê. Meu trabalho tem resistido a se fixar em uma ou outra linguagem. Tenho criado caminhos a partir dos sentidos e qualidades que cada situação e material informam. Esse modo de me aproximar não foi diferente com “Dos 3 aos 3”, mas posso dizer que é um novo cinema para mim.
Essa costura que você aponta foi talvez o movimento mais trabalhoso, que mais exigiu tempo. Os filmes que fiz até aqui ficaram bastante comprometidos com a arte, sem funções claras os guiando. Ao realizar “Dos 3 aos 3”, tínhamos um horizonte mais delineado. Queríamos aprender com Ravi e compartilhar o saber de Emmi Pikler. Foi preciso trabalhar com uma natureza poética e também instrumental. Dosar esses traços nos fez assumir o ensaio, gravar, regravar, escrever, ficcionalizar.
Esquina: No final, vocês dão a deixa para outro filme. O que pode me contar disso?
Pablo: Pude ver e sentir de perto o poder da Abordagem Pikler sendo praticada em um contexto bastante adequado, com recursos generosos. Queria partir para situações desfavoráveis.
Emmi Pikler pensa sua abordagem para o contexto doméstico, inicia seus estudos como pediatra familiar e depois funda e dirige um orfanato em Budapeste. Nesse momento ela observa milhares de crianças e avança com seus estudos em um contexto institucional. Eu e Bianca queríamos seguir com a experiência vivida, mas em uma unidade de acolhimento. Começamos a nos aproximar das casas de acolhimento de Belo Horizonte, sentimos espaço para atuar em uma delas e assim eu iniciei um novo filme, ainda sem título, que é também uma intervenção, um laboratório experimental em uma casa de acolhimento para crianças de 0 a 6 anos. Passei os últimos 6 meses filmando 3 vezes por semana nessa casa, enquanto Bianca e Nazarete Paganotti, também pedagoga, implantavam os princípios da Abordagem junto às cuidadoras dessa unidade. Foi uma experiência tocante, belíssima, e nesse momento estou montando, dessa vez com Marília Moraes desde o início e com o roteirista Daniel Tavares.
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