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Foto do escritorMatheus Mans

Diretor de 'Real - O Plano Por Trás da História' fala sobre política e polêmicas


Atualmente, contamos nos dedos os cineastas jovens e independentes no Brasil que se destacam no cinema nacional. São poucos com ousadia, inventividade e a coragem de sair do lugar-comum, como as comédias escrachadas e dramas raso. Este pequeno e seleto grupo, no entanto, acaba de ganhar mais um integrante: Rodrigo Bittencourt.

A carreira de Bittencourt começou há alguns anos, mas já cheia de atividade. Dirigiu curtas, escreveu livros e até compôs músicas -- como a forte Cinema Americano, interpretada por Thaís Gulin. Há cinco anos, dirigiu seu primeiro longa-metragem, o mediano Totalmente Inocentes, com Fábio Porchat.

No entanto, neste momento, sua carreira alavancou: ele foi chamado para dirigir o filme Real -- O Plano por Trás da História, que chega aos cinemas nesta semana e que já está causando intensa polêmica no País. Além disso, ele conta que já tem outros projetos engatilhados: "vou fazer uma sátira da Lava-Jato, irei filmar uma comédia romântica surrealista ainda neste ano, escrevi meu segundo livro e estou em processo de captação de um projeto internacional com uma das atrizes principais da série Orange is The New Black."

Na conversa com o Esquina, porém, falamos sobre o presente. Sobre seu novo filme, sobre todos desafios durante a filmagem -- e depois dela -- e, é claro, a polarização e o tenso cenário da política brasileira no momento que Real é lançado:

Esquina: Você já tinha ouvido falar sobre o livro '3000 dias no bunker' antes de dirigir o filme?

Rodrigo Bittencourt: Há alguns anos, estava com meu pai, almoçando num restaurante no Rio, e ele viu o Fernando Henrique Cardoso entrando ali. Foi conversar com ele na hora. Depois, quando voltou para a mesa, me disse: "Você tem que dirigir um filme importante para o seu País. Precisa ler o livro do Fiúza sobre o Plano Real, o 3000 Dias No Bunker: Um Plano Na Cabeça E Um País Na Mão. Li o livro e, tempos depois, o meu pai faleceu. Seis meses após seu falecimento, fui chamado para dirigir esse filme. Essa obra tem um teatro emocional muito grande para mim. Fora isso, eu tenho outras coisas que me influenciaram na decisão de fazer o filme...

O quê?

Eu sou de Bangu, uma favela no Rio de Janeiro. Cresci lá e via, na época da hiperinflação, as dificuldades que meus pais e todas as outras famílias tinham para viver. A gente precisava estocar alimentos porque era mais de 40% de inflação ao mês. O salários não valiam absolutamente nada, tudo era uma grande confusão. Hoje em dia, isso é impensável. Mas precisamos mostrar aos mais jovens, para a molecada, o que acontecia e como o Plano Real serviu aos pobres. Vi minha família e a de milhares de outras pessoas mudarem de vida após o Plano. Foi um ato social. Quando você tem juros altíssimos e a inflação lá em cima, quem perde é o pobre e trabalhador. Quem é rico adora isso, não são afetados. O Plano salvou os pobres. Vi isso na minha frente, na minha família, e eu precisava contar essa história.

Como você criou o ambiente daquela época? Foi uma tarefa fácil?

Eu pedia para que os atores tivessem em mente a imagem da máquina de remarcar preços. Que eles não esquecessem dessa imagem e desse som durante toda a filmagem. Também comecei a trabalhar algo pouco feito no cinema nacional: os jogos de olhares em silêncio. Isso não existia no roteiro, mas era fundamental para criar um ambiente conspiratório. Tive que trabalhar muito no ritmo desse filme... Era muito pesado e com muitas falas, como tinha que ser. Eu tinha que transformar a história em algo mais ágil. Também fiz toda a trilha sonora do filme, sempre com a ideia de que deveria ser rock'n'roll. O Gustavo Franco é rock'n'roll. Era precisava de uma música corajosa e imponente.

Isso ajuda as pessoas a entenderem o tema do filme. Afinal, macroeconomia ainda é algo que, para a maioria dos brasileiros, é muito distante.

Exatamente. E mais, escolhendo contar a historia do Plano Real a partir de um protagonista jovem e seguindo a trajetória desse homem que é herói e anti-herói ao mesmo tempo.

Quais os desafios que você teve que encarar para uma adaptação como esta?

Muitos! O primeiro, e mais importante, é saber lidar com o ego das pessoas. Seja no momento de cortar algumas cenas, cortar músicas da trilha sonora... Tudo envolve ego. Mas eu, como diretor, tenho que permanecer com foco no filme e não nas pessoas que o fizeram. É algo cansativo. Mas não podia ter medo de enfrentar essas crises para o bem do filme. O resto, perto disso, é fichinha (risos).

O filme enfrentou críticas no festival Cine PE de pessoas dizendo que era "de direita". Alguns até chegaram a abandonar o local. Como você encara estes protestos? O momento é delicado para o filme?

As pessoas fazem o que elas querem com suas posturas e suas vidas. Respeito isso. Respeito quem tomou essa decisão de sair do festival. O problema é que essas pessoas não respeitaram o meu filme. Como podem julgar algo sem ver? Isso é completamente equivocado. Isso não esta correto e todos nós sabemos disso.

Mas o filme é de direita?

Lutei muito para que esse filme fosse equilibrado e considero, depois de um ano e meio de trabalho, que ele está equilibrado. Sou um homem de centro e considero a esquerda e a direita no Brasil um equívoco.

Como assim?

Essa história de direita e de esquerda é coisa pra enganar ignorantes. Como disse o grande ex-presidente do Uruguai, o Mojica: "Nós devíamos nos preocupar, antes de pensar em ser esquerda ou direita, em sermos latino-americanos." Se eu olhasse para vida com esse viés redutor, eu estaria me reduzindo como ser humano. Eu sou um homem filosófico, um poeta, músico, diretor, que veio de um bairro muito pobre do Rio. Eu tive que lutar muito pra conseguir as coisas. E isso não significa reduzir a opinião dos outros a lixo.

E depois de você mergulhar no nascimento do Plano Real, o que acha da economia hoje?

A moeda estava indo bem, principalmente nos quatro primeiros anos do governo Lula. Mas depois o que aconteceu? O que acontece hoje? Mais de 13 milhões de desempregados e no governo de quem? Carne podre, Petrobrás falida. Governo de quem? Eu não sou direta nem esquerda, mas não sou mulher de malandro. Errou, eu tenho direito de reclamar, seja da esquerda ou direita. A esquerda esta no poder há 16 anos. Qualquer regra boba de mercado diz que você precisa fazer o capital girar. Pra fazer o capital girar, é preciso comprar e consumir em vários lugares diferentes. Não se janta em um único restaurante, não se compra em um único mercado, não se veste ou se anuncia em uma única loja, não se curte apenas um banda ou um tipo especifico de filme. E assim também tem de ser com tudo na vida, inclusive na política. Não é sadio manter no poder, durante tanto tempo, uma única linha de raciocínio. É preciso mudar sempre. Se não mudar, vira ditadura.

O cinema precisa mudar aqui no Brasil?

Falta termos o direito de fazer filmes assim, como o Real. Existe uma patrulha no cinema brasileiro. Isso está claro e deve acabar. Precisamos de pessoas interessadas em fazer filme tecnicamente bem feito. O cinema não deve se dividir por causa de política. O cinema é, antes de mais nada, arte! Você pode fazer um filme sobre Hitler e não ser nazista, assim como posso fazer um filme sobre o Plano Real e não ser de direita. Por que é tão difícil entender o óbvio por aqui? Isso me assusta. Existe ignorância aqui e a ignorância é algo bem difícil de lidar.

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