Foi num dos cartões postais mais emblemáticos de São Paulo, como deveria ser, que o grupo de samba Demônios da Garoa começou com o pé direito as comemorações pelos 75 anos de carreira do conjunto. Lotando o Auditório Simon Bolívar, no Memorial da América Latina, na última quinta-feira, 10, os Demônios consagraram as mais de sete décadas de existência com um show histórico, emocionante e inovador, mostrando a importância do grupo ainda hoje.
O show começou grandioso antes mesmo da entrada do conjunto. Ao contrário do que é comum nas apresentações do histórico grupo, o palco estava ornamentado com belos decorativos temáticos da cidade de São Paulo. Um ator -- interpretando Adoniran Barbosa -- também apareceu para distrair a plateia do pequeno atraso e fazer alguns gracejos. Mas a casa se emocionou, de fato, quando o quarteto entrou no palco e foi ovacionado pelo público.
Inicialmente, emendaram alguns clássicos de Adoniran -- tocaram um refrão de Trem das Onze e Samba do Arnesto -- para, logo em seguida, já levar a primeira convidada ao palco: a cantora Sandra Portella, para uma belíssima releitura do clássico Mulher Rendeira, interpretado pelo grupo no filme O Cangaceiro, de 1953. Era uma mostra do que viria a ser o espetáculo, pontuado por clássicos não só de Adoniran, como também da história da MPB.
Depois, voltaram a emendar alguns grande sambas de Adoniran, elevando o ânimo do público -- passaram por Malvina, Joga a Chave e Iracema. Serginho, o atual líder do grupo, estava visivelmente nervoso no início, se comunicando a todo momento com as coxias e checando se as coisas estavam correndo como planejado. E foi estranho, e extremamente sentida, a ausência de Canhotinho, o mais longevo integrante do grupo. Não foi explicada, nem citada.
No entanto, ainda que estranha, a falta de Canhotinho foi coberta por uma boa interação entre Ricardinho e Serginho -- pai e filho -- e, também, a boa base que uma banda dava ao conjunto. Depois, chamaram ao palco a segunda participação especial. Desta vez, do cantor Pedro Mariano, que interpretou o samba Você Abusou. Infelizmente, foi a mais fraca das participações já que a música não é tão marcante na voz nem de Pedro, nem dos Demônios.
Foi na segunda parte do show -- iniciada após um belo show de dança -- que a apresentação começou a tomar ares de histórica. Eles deixaram um pouco da obviedade e do conforto para trás para surpreender até quem os acompanha avidamente. Fizeram uma apresentação intimista do samba Apaga o Fogo, Mané; trouxeram a incrível versão de Exagerado, do Cazuza; e levaram ao palco a participação meteórica -- mas de tirar o fôlego -- de Arnaldo Antunes para Tira ao Álvaro. Era o prelúdio de algo que só viria a crescer.
Afinal, além de mais alguns sambas de Adoniran e pout-pourris bem encaixados de Ataulpho Alves e Jair Rodrigues, o conjunto surpreendeu com a apresentação da canção É Preciso Saber Viver com o cantor Paulo Miklos. Foi arrepiante e o público, de maneira justa, aplaudiu efusivamente ao fim -- para depois, Miklos cantar Saudosa Maloca de um jeito divertido.
A surpresa nas participações, porém, ficou com a cantora Paula Lima. Além de cantar Não Deixe o Samba Morrer, ela fez uma justa homenagem, junto com os Demônios, á cantora e compositora Dona Ivone Lara com o samba Sonho Meu. Que momento delicado, belo e marcante. Tomara que os Demônios da Garoa levem a interpretação deste samba para outros espetáculos.
Ao fim, enquanto o grupo cantava Trem das Onze, ficou a certeza de que parte da história do samba foi escrita nesta apresentação no Memorial da América Latina. Emocionante, diversa, respeitosa. Faltou um pouco do humor característico do grupo e, claro, da presença de Canhotinho. Mas o que foi visto já foi o bastante para afirmar, com certeza, de que os Demônios são um marco inigualável da Música Popular Brasileira. Que venham outros 75 anos.
Foto: Nova Brasil FM/ Mila Maluhy e Rodrigo Brugnera
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