Antes de começar a ler este texto, vamos fazer um exercício. Pare e pense: o que você sabe sobre a Palestina hoje? Como é o País, quais suas características? Quais seus problemas, suas virtudes? Poucos saberão responder tudo sem pensar num Oriente Médio estigmatizado, com guerras, preconceito, terrorismo e coisas do tipo. E é isso que Elia Suleiman quer desconstruir.
Em seu novo longa-metragem, O Paraíso Deve Ser Aqui, o cineasta palestino (O Que Resta do Tempo) interpreta a si mesmo e passa por dois momentos. Num primeiro, mostra como é a Palestina de hoje. A sua Palestina. Há o vizinho que rouba frutas, mas rega as plantas; o idoso que conta histórias de caça; os irmãos que protegem a mulher "indefesa"; policiais descuidados.
É a instituição, sob seu olhar, do que acontece no País árabe hoje. Mostra suas dificuldades, seus pontos altos e baixos, suas riquezas, suas maravilhas. Tudo sob a percepção atenta do cineasta, que trafega pelas cenas no melhor estilo Buster Keaton: não fala, não se expressa. Apenas vive, relata e constata. É quase um clown, que vaga observando, vivendo, aprendendo e ensinando.
Depois, num segundo momento, o personagem de Suleiman sai pelo mundo para tentar vender o projeto de seu novo filme -- uma comédia sobre a paz na Palestina. Para isso, faz parada em dois lugares: França e Estados Unidos. O berço da consciência social e política de um lado; e o lar da democracia e do capitalismo do outro. O que há de diferente em relação com a Palestina?
É nessa pergunta que se debruça Suleiman. Nela, o preconceito se esvai a partir de seu olhar e o espectador, dentro dessa obra poética e extravagante, começa a enxergar seus preconceitos refletidos no mundo ocidental. A cultura armamentista americana, a comemoração militar na França, o egoísmo, a liberdade fingida. De comum, só os policiais atrapalhados e incapazes.
O cineasta, dessa maneira, tece uma poesia ao seu País de origem. É ácida, é política, é contestatória. Mostra que o berço e o lar da civilização podem ser tão retrógrados quanto o preconceito direcionado ao seu povo. A guerra, tão projetada na Palestina, está no dia a dia do Ocidente. O egoísmo, os atos bárbaros, a falta de sentido em ações. Tudo pode ser visto ali.
E para contar isso, Suleiman se vale de três tipos de narrativa. Em uma, se vale de gags inspiradas no cinema de Keaton, Chaplin e afins. Às vezes funciona, às vezes não. Em outras, metáforas escancaradas cutucam o Oriente -- como a bazuca sendo carregada no porta-mala. E, por fim, há as metáforas finas, como uma maravilhosa cena envolvendo um passarinho.
Se algumas piadas não fossem desconjuntadas e algumas metáforas não fossem tão finas, a ponto de se tornarem enigmas, o filme seria impecável. Mas ainda é um dos melhores do ano.
Afinal, é um cinema autoral, independente, de visão. Suleiman deixa claro que está se colocando no filme e dando seu olhar sobre o seu País e sobre o estranho, o estrangeiro, o de fora. A cena final, numa boate, e a de uma mulher carregando água, emociona. Mostra que a Palestina está avançando, está se libertando. E Suleiman sorri. Vê que o paraíso pode ser, de fato, o seu lar.
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