São várias as histórias que relacionam plantas com depressão, luto e solidão -- por algum motivo que só a psicologia ou a semiótica podem explicar. O bom livro Biofobia, do brasileiro Santiago Nazarian, é um bom exemplo. O trauma com as plantas está representado no próprio título. Outro que vai pelo mesmo caminho é o argentino Família Submersa, que possui objetivos grandiosos e uma execução tenebrosa. Agora, chega mais um filme para brincar com essa relação: é Vergel, coprodução Brasil e Argentina dirigida por Kris Niklison e protagonizada pela excelente Camila Morgado (de Olga).
A trama acompanha uma brasileira (Morgado) que está desesperada. O marido, que saiu a passeio na Argentina durante uma viagem, morre acidentalmente. Pega de surpresa, essa esposa em luto precisará aguardar o governo argentino fazer a autópsia e, depois, um juiz liberar o corpo para seguir viagem ao Brasil. É um sofrimento prolongado e muito difícil, cheio de papeladas e burocracias, que só acentuam o luto que passa essa mulher solitária no apartamento da amiga argentina. É só ela, uma grande quantidade de plantas e as visitas pontuais e um tanto inconvenientes da vizinha (Maricel Álvarez).
A partir dessa premissa, interessante e com muitas possibilidades narrativas, Niklison, que também é roteirista, passa a criar uma história monótona e cheia de delírios artísticos para mergulhar de vez no luto dessa mulher. Alguns recursos acertam em cheio, principalmente por conta da atuação revigorada de Morgado. Ela sabe como dar a dose de delírio, realidade, sofrimento, desespero. O que essa mulher passa salta da tela e é difícil não compactuar com o que ela sofre. Pena que o roteiro falha ao tentar criar uma história para ela. Falta background, falta flash backs mais encaixados. Falta algo.
O grande problema do filme, porém, está no momento em que Maricel Álvarez (Minha Amiga do Parque) entra de cabeça na história. Até então, Vergel está interessante, com altas doses de metáforas e uma direção artística rara -- ainda que vazia de significado em alguns momentos. Quando a atriz argentina entra na história, porém, tudo se inverte, tudo fica confuso e, ao mesmo tempo, cheio de didatismo. É estranho o tom que é adotado por Niklison neste momento. O erotismo toma conta, a arte fica apenas na fotografia e os diálogos passam a ser extremamente expositivos. Qual o objetivo, afinal?
Ainda que Álvarez seja uma boa atriz, o longa-metragem desacelera, fica redundante e cai em problemas parecidos de Família Submersa. E as plantas, que inicialmente pareciam criar uma metáfora tão interessante com o luto e a solidão, se perdem por conta dessa trama erótica que brota no meio do nada. E o roteiro, assim, não chega em lugar algum. Fica dando voltas e mais voltas e mais voltas sem uma decisão concreta, sem saber onde chegar. Fica estranho, cheio de vazios narrativos. O que aconteceu com o marido? Quem é essa mulher? Quem é essa vizinha? Faltou criar vínculo com público.
E assim, Vergel termina de forma pretensiosa e sem dizer muita coisa. A ideia inicial, interessante, forte e vigorosa, acaba se perdendo em anseios demais, em experimentalismos que agradam apenas uma parcela bem pequena do público. A metáfora das plantas some, a relação com a vizinha é vazia, a relação com o marido, a mãe e a amiga não é explorada. Há cenas de uma japonesa fazendo iquebana que também não chegam em lugar algum. É decepcionante. Há muito talento artístico aqui e pouco filme, pouca história. Não espere trama aqui. Espere apenas uma boa filmagem.
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