Você sabe como era a cena musical do rock nos Estados Unidos e na Europa durante os anos 1980? Sem dúvidas, se não viveu ou não leu sobre tal período e movimento, o viu retratado nos cinemas. Longas como Rock Star, Sing Street e Mais Um Verão Americano trouxeram a temática à tona e discutiram a influência do gênero musical na formação da chamada "década perdida". É um conjunto de atitudes e experimentações oriundas do desejo de fazer diferente e da rebeldia contra o status quo que dominava o mundo.
Agora, você sabe como era a cena musical do rock na União Soviética durante essa mesma década? É muito difícil que a resposta seja positiva. Afinal, durante o período, o mundo atravessava a Guerra Fria e a URSS, governada por soviéticos, sofreu sanções comerciais e ficou enclausurada em seu próprio mundo. Por conta da chamada "cortina de ferro", pouco se sabe sobre o que aconteceu na cultura e em toda sua efervescência intelectual. No entanto, um novo filme que chega aos cinemas nesta quinta, 15, ajuda a mudar isso.
Verão, do polêmico Kirill Serebrennikov (O Estudante, Traição), acompanha um grupo de músicos e roqueiros soviéticos, nesses turbulentos anos 80, que tentam fazer sua música e vencer a forte censura do governo. Como protagonistas dessa trama, Viktor Tsoir (Teo Yoo), Mike Naumenko (Roman Bilyk) e Natascha Naumenko (Irina Starshenbaum). Os dois primeiros músicos, que compõem, cantas e fazem sucesso, e ela esposa de Mike, mas que vive uma paixão às escondidas, mas permitida, com Tsoir.
A direção de Serebrennikov é deliciosa e estilizada, como deve ser. O diretor não tem medo de criar cenas de videoclipes, como numa maravilhosa reinterpretação de The Passenger, de Iggy Pop. O visual é inteligente, a construção da situação também. Difícil não ter vontade de entrar no ônibus, que serve de cenário para a reconstrução dessa música, e segurar a xícara de café com Irina Starshenbaum. Grande momento do filme.
Mas o grande acerto do cineasta está na recriação da cena musical daquele período. Muito diferente de tudo que o público está acostumado, ela é monótona, sem grandes ou particulares problemas. Nada de drogas, sexo e bebida. São pessoas comportadas, como nenhum outro ídolo do rock, que telefona para a mãe para avisar que vai dormir fora de casa. E um público formado por fãs, mas que não se levanta durante os shows, nem exibe cartazes. Tudo isso para respeitar a forma de viver que o governo instituiu.
É estranho, é diferente e bem feito. E por ser uma história real, só deixa tudo ainda mais interessante.
No entanto, Serebrennikov comete erros banais para sua sexta direção. Primeiro ponto: essas cenas musicais, extremamente vívidas e divertidas, são quebradas por um personagem que aparece repetidas vezes falando que tudo aquilo não é verdade. É muito chato! Um recurso narrativo extremamente pobre do diretor/roteirista, que poderia ter apostado no lúdico e acreditado na inteligência da audiência de entender o que aquela cena tem de crítica social, de lúdico, de político. É natural que aconteça e não quebraria o ritmo.
Outro ponto: o conflito usado para mover a história é o tal triângulo amoroso entre Mike, Tsoi e Natascha. Ainda que os três atores estejam em sintonia e encarnem, de fato, as curiosas figuras que representam, a química entre eles não acontece. É insossa. Não vai pra frente, não causa emoção. E, assim, o roteiro fica sem um ponto atrativo central para o público em geral. Os russos, sem dúvidas, devem ter se emocionado apenas de ver a reconstrução da história de seus ídolos nas telonas. Mas para o resto do mundo, falta mais história, mais interação, maiores objetivos. É bonito de ver, mas não sai disso.
Verão é um filme musical, melancólico, com boas atuações e boa música. Além disso, ajuda o espectador a sair de sua bolha e a conhecer culturas de outras épocas e de outros lugares. Mas, infelizmente, falha como filme no geral. Falta conflito, falta emoção, falta maior identificação com o espectador. Dessa vez, parece que Serebrennikov fez um de seus longas para um objetivo específico: fazer o povo russo voltar às origens, relembrar e se emocionar. O resto do mundo, dignamente, deve observar e absorver o show.
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