Como o próprio título diz, o longa-metragem Um Dia acompanha cerca de 24 horas da vida de Anna (Zsófia Szamosi), mãe de três crianças que não consegue parar para descansar e tomar um tempo para si. A todo o momento ela está correndo para levar e buscar os filhos da escola, achar um lugar para parar na rua, conversar com a sogra e, ainda, lidar com a possível traição do marido. São problemas comuns, corriqueiros, mas que tomam uma proporção assustadora nas mãos da cineasta húngara Zsófia Szilágyi.
Assim como no recente e sensacional Custódia, o peso do cotidiano quase ganha ares de thriller. O ritmo incessante das tarefas diárias, aliado à falta de ajuda, faz com que a história, inicialmente banal, vá ganhando contornos sufocantes. Sem dar voltas, a cineasta põe o dedo na ferida e faz com que Anna, aos poucos, ganhe um caráter universal. A personagem, ainda que tenha seus problemas próprios, é o retrato do que a mulher, a dona de casa, passa diariamente -- seja na Hungria, no Brasil, nos EUA, por aí vai.
Mérito disso está na direção firme de Szilágyi, que atuou como assistente de direção no onírico e premiado Corpo e Alma. A cineasta deixa grande parte da história amarrada, segura, se sustentando na realidade crua e difícil que permeia toda a obra. Há poucos e fracos escapes para o sonho, a invenção, a irrealidade -- quando isso acontece, principalmente numa sequência final envolvendo o marido, a narrativa se enfraquece e perde a intensidade necessária. Mas, ainda bem, são poucos os momentos assim.
As atuações também engrandecem a trama. A protagonista Zsófia Szamosi (O estrangulado) mantém suas emoções sempre guardadas, sem deixar despertar ou se mostrar demais -- como em Benzinho, onde a personagem de Karine Telles precisa guardar quase tudo para si. É uma construção de personagem delicada, sutil, mas que cresce nos momentos certos e alavanca a história. O resto do elenco está operante, já que toda a atenção da história e da direção se concentra, de fato, na personagem Anna.
O filme, porém, conta com alguns probleminhas quando se fale de roteiro. O andamento da história, preso à necessidade de se passar em cerca de um dia, acaba trazendo algumas repetições e situações pouco necessárias à tela. O início do filme, assim como o seu final, são confusos e abertos à interpretações, o que acaba deixando todo o filme, de forma sintomática, aberto às mais diferentes leituras. Fica estranho não ter um início bem definido, nem um final -- principalmente por tratarem do mesmo assunto.
Ainda assim, Um Dia é uma boa leitura sobre a rotina materna. Nem tão solto quando Benzinho, nem tão intenso quanto Custódia, nem tão "americanizado" quanto Tully. É um filme que vai direto ao ponto, traz uma crueza inesperada e brutal e, de certa forma, reverbera sua necessária mensagem pelo mundo, mostrando como certas rotinas, muitas vezes desprezadas, são mais duras do que o imaginado. E pior: elas não acabam quando sobrem os créditos. Só se repetem e repetem e repetem.
Comentarios