Crítica: 'Um Dia Daqueles' é comédia que sabe falar sério quando precisa
- Matheus Mans
- há 1 dia
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Que boa surpresa é o filme Um Dia Daqueles, estreia nos cinemas desta quinta-feira, 3. Dirigido por Lawrence Lamont (de Maldito Rap), o longa-metragem conta uma história aparentemente banal: duas amigas (Keke Palmer e SZA) que precisam arranjar o dinheiro do mês do aluguel.
É uma história batida, mas envelopada nessa estética que surgiu nos últimos anos de besteirol com mulheres -- como Viagem das Garotas, As Bem-Armadas, A Noite é Delas, Perfeita é a Mãe! e por aí vai. Assim como qualquer outro besteirol, é um filme com momentos que funcionam e outros que caem numa zona quase desastrosa em que o besteirol se torna tão... besta, que fica constrangedor. E tudo bem: é nessa zona cinzenta (e estranha) que esses filmes funcionam bem.
SZA e Keke Palmer, aliás, ajudam a elevar a qualidade do filme como um todo. Um Dia Daqueles nunca deixa de ser um besteirol, mas as duas dão profundidade para personagens que se acomodam numa zona realista. Mesmo com características e comportamentos bem americanos, Dreux e Alyssa -- as personagens -- são relacionáveis. Dá pra gostar fácil das duas.
Isso tudo já bastaria para um filme razoável, que faz rir aqui e ali e que conta com boas atuações. Mas Um Dia Daqueles consegue ir além disso. O roteiro de Syreeta Singleton insere elementos aqui e ali que falam diretamente sobre o processo de gentrificação -- é quando um bairro ou uma cidade passa por um processo artificial de enriquecimento, expulsando antigos moradores que já não conseguem bancar uma residência ou um comércio naquela região.
Este novo filme SZA e Keke Palmer também funciona por um forte senso de comunidade que é criado por Lamont. Com ecos bem evidentes de Faça a Coisa Certa, de Spike Lee, começando o longa inclusive com um locutor de rádio falando sobre como o dia será quente, Um Dia Daqueles sabe administrar diferentes acontecimentos que tomam conta da comunidade local.
Ou seja: a partir de um besteirol, com duas amigas tentando arranjar dinheiro para o aluguel, Syreeta vai além. Não se contenta em apenas fazer rir, mas reflete sobre os caminhos do Ocidente em um processo que tem se tornado cada vez mais real. Ao lado de títulos como O Último Homem Negro Em San Francisco ou até Aquarius, pensando na realidade do Brasil, esta nova comédia americana faz pensar e refletir sobre um processo que precisa ser discutido.
E o melhor de tudo: fala sério enquanto dá pra rir. Força a barra em alguns momentos (precisava mesmo de pessoas sendo jogadas longe com choque, por exemplo?), com piadas que já cansaram, mas nunca se mostra um filme ultrapassado. É o besteirol atualizado de maneira competente e com boas ideias. É, enfim, o que o cinema precisa: roteiros corajosos e que, com direção firme, consegue se apropriar de gêneros para falar sobre coisas que importam.

