Pode-se dizer, já com alguma sobriedade, que Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo é uma das grandes estreias do cinema em 2022. Afinal, depois do sucesso de crítica e público nos EUA, o filme se tornou aguardado em todo o mundo e chega coberto de expectativas em sua estreia nos cinemas nesta quinta-feira, 23, depois de uma semana inteira com pré-estreias pelo País.
É um filme, assim como foi com Um Cadáver para Sobreviver, que se ancora em algo que chamo de "cinema de certezas". Mas o que seria isso? É, na verdade, um parente bem próximo do "filme de algoritmo". Só que ao invés de trabalhar na limitação de fazer sucesso surfando no que há de sucesso da internet, o "cinema de certezas" trabalha com elementos que são certeiros no cinema contemporâneo como um todo. São temas, atores ou decisões que geram buzz e encantam, mesmo sem razão de ser ou, principalmente, como o seu objetivo central e final.
Isso vem com dois efeitos. Primeiramente, deixa o cineasta confortável em usar apenas um elemento para mascarar erros ou problemas -- em Um Cadáver para Sobreviver, por exemplo, Daniel Radcliffe deixa o luxo de Harry Potter para ser um cadáver em decomposição. Depois, há a questão desses filmes ficarem presos em certos elementos de sucesso e não conseguirem se desenvolver da maneira correta. Uma coisa alimenta a outra. E o filme, assim, faz certo sucesso com o público sedento para aplaudir alguma produção que use coisas pop para ir além.
É, praticamente, o lado contrário da moeda do "cinema de autor". Parece um filme muito original e ousado, mas no fundo é só um elemento batido (ou pop) usado para puxar a atenção do público. E é isso que acontece com Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo: os Daniels embarcam no sucesso do multiverso, embalam com uma história divertida e apostam tudo nas atuações, com a ânsia de esconder uma história exageradamente simples e, no fundo, sem propósito.
A história de 'Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo'
Afinal, parando para pensar por alguns minutos, percebe-se que Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo tem um fiapo de trama: Evelyn (Michelle Yeoh) precisa dar um jeito em sua vida quando descobre que existem universos paralelos e, do nada, começa a transitar entre eles para escapar dos problemas que surgem por todos os lados. Os dois principais são as contas de sua lavanderia, questionadas pelo fisco, e a relação complicada com a filha, o pai e o marido.
O fato é que os Daniels (diretores de Um Cadáver para Sobreviver) escondem essa história tão passável com um assunto em alta na cultura pop (o multiverso, em evidência pela Marvel) e uma atuação marcante de Yeoh, de Podres de Ricos, cada vez mais evidente como uma atriz completa. Isso tudo, misturado com uma direção de arte criativa e pequenas sacadas que deixam a história do metaverso mais divertida, deixam a essência do filme soterrada.
Esqueça um pouco esses atributos e logo é possível perceber que resta pouco em um filme repleto de distrações. Oras, são tantos os pontos que afastam o público da história que, quando é revelada a real intenção da narrativa, fica até confuso de acompanhar como o roteiro chegou naquilo e, sobretudo, como houve um excesso de histórias em sua execução. Faltou desenvolvimento na história em si para trazer detalhes cosméticos que não fazem diferença.
Os multiversos da salsicha e do guaxinim, por exemplo, são divertidos -- arrancaram risadas na sessão para a imprensa. Só que pense comigo: o que isso realmente contribui para a história que o filme está querendo contar? Diferente do multiverso da pedra, por exemplo, que traz uma carga emocional inesperada e que, em sua essência, diz mais do que todo o resto do filme.
É divertido ver kung-fu? Com certeza. Assim como também Jamie Lee Curtis está bem em seu papel de vilã pouco usual e as brincadeiras de multiverso, como os dedos de salsicha, são iluminadas. Mas não servem ao objetivo do longa-metragem, se tornando um filme com mais gordura do que essência. Uma pena. Dá pra se divertir, se emocionar, embarcar na história dos Daniels. Mas, para isso, é preciso antes fazer concessões. E eu, confesso, fiquei com preguiça.
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