Que espetáculo é a atuação de Rodrigo Santoro em O Tradutor, longa-metragem que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 4. O filme, que é dirigido pela dupla de irmãos Rodrigo e Sebastián Barriuso, acompanha a história de Malin (Santoro), um cubano que ensina literatura russa na Universidade de Havana. O ator consegue roubar o filme para si, porém, por conta de sua versatilidade em tela: além de ter falas apenas em russo e espanhol, o brasileiro ainda consegue encarar drama pesado sem problema.
Afinal, mais do que ser professor de russo, o protagonista acaba sendo designado, sem entender muito bem o porquê, pra servir de tradutor num hospital perto de sua casa. O motivo? Lá estão sendo tratadas as vítimas do acidente de Chernobyl, na então União Soviética. Crianças, principalmente, que estão desenvolvendo tumores anormais e de difícil tratamento -- mesmo para os médicos da ilha comandada por Fidel Castro, conhecidos mundialmente pela alta qualidade de seu trabalho. Pronto. Drama até o fim.
Estreia da dupla de irmãos em longas, O Tradutor deixa bem claro no começo que tem aparas a serem tratadas e que são fruto de falta de experiência. Algumas cenas se prolongam demais, há didatismo exagerado em alguns diálogos e há sequências sem muito vínculo com a realidade -- uma mãe russa bebendo vodka no hospital até cair de bêbada? Sério? Sem falar da ambientação sessentista que, mesmo bem feita, não deixa claro que é Cuba. Aqueles cenários poderiam ser no Brasil, México, qualquer lugar.
No entanto, esses problemas iniciais logo vão sendo suprimidos por dois aspectos positivos: a complexidade narrativa de Lindsay Gossling e, como já citado, a atuação de Santoro. Sobre este último aspecto, é simples. O ator brasileiro conseguiu trazer uma atuação forte, dramática, a partir de duas línguas não-maternas. O espanhol até dá para entender. Há proximidade fonética e ele já tinha trabalhado com o idioma em Os 33. Mas russo? É de se espantar como ele conseguiu dominar a língua. Isso é mais do que uma simples preparação de ator. É um mergulho consciente no personagem que deu certo.
Já sobre o outro aspecto, há muito mais a falar. Gossling, que também faz sua estreia como roteirista em longas, consegue adicionar complexidade em todas as camadas narrativas do filme. O personagem de Santoro, por exemplo. Não é tratado, em momento algum, como o santo que salva criancinhas com câncer. Ele fica dividido entre duas personalidades, uma delas extremamente abusiva e misógina, que faz com que seja muito difícil entendê-lo. O espectador deve torcer por seu sucesso ou derrocada? As coisas melhoram ainda mais com a atuação de Maricel Álvarez e Yoandra Suárez.
Até mesmo a própria função do personagem de Santoro na narrativa é questionada frequentemente, resvalando na perigosa discussão sobre o sucesso do comunismo e do socialismo. São reflexões que vão além da superfície e que conseguem tragar o espectador para dentro do filme com força, independente da generalidade da ambientação ou das aparas que surgem pela falta de experiência. A esperteza da roteirista com a proximidade dos diretores com a história amplificam tudo e, ao final, o positivo ganha do negativo. O único gosto ruim que surge vem da própria história.
Dessa forma, O Tradutor é um ótimo filme. Complexo como pouco se vê. Triste, reflexivo, emocionante. Traz um punhado de sensações que só o Cinema -- com C maiúsculo -- conseguem proporcionar. Não adianta assistir o filme, porém, esperando algo leve, sem muito impacto. Essa é uma daquelas produções que sacodem o espectador e fazem com que a pessoa fique pensando no que assistiu por horas e horas e horas. Se você não gosta desse tipo de filme, melhor passar longe. O Tradutor vai chacoalhar muita gente.
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