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Bárbara Zago

Crítica: 'Todo Dia' é história que transcende romance adolescente


Num período em que temas como gênero e orientação sexual têm sido (e devem ser) tão discutidos, é de se esperar que haja algum tipo de reflexão nas artes, como é o caso do cinema. O vencedor do Oscar de filme estrangeiro deste ano foi justamente Mulher Fantástica, que conta a história de uma mulher trans que passa por situações de preconceito. Ainda em 2018, Com Amor, Simon chegou às telas trazendo a discussão da homossexualidade como uma espécie de segredo que, muitas vezes, deve ser mantida por um adolescente.

Todo Dia consegue mesclar ambas as temáticas, mas de forma leve, e numa linguagem essencialmente para jovens. Em resumo, é uma história de amor -- que transgride qualquer limitação superficial. Adaptado do romance de David Levithan, o filme mostra Rhiannon (Angourie Rice), uma garota de 16 anos, bastante adulta para sua idade, que namora Justin (Justice Smith), um típico adolescente babaca, que parece pouco se importar com ela. Após um dia nada usual, em que os dois resolvem pegar o carro, matar aula e ir para diferentes lugares, ela percebe uma conexão muito mais profunda com ele. Contudo, essa conexão acaba ali, naquele dia. Isso porque, durante aqueles momentos, não era Justin, e sim 'A', personagem que não tem gênero definido ou mesmo um corpo humano fixo. Todos os dias, 'A' acorda em uma corpo diferente, e vive uma realidade diferente.

Rhiannon se percebe apaixonada pela essência daquela pessoa, e não pela pessoa em si. 'A' prova que mantém uma conexão mais profunda com ela, independente do corpo em que habita. Não importa seu gênero, etnia ou aparência. Durante 97 minutos de filme, 'A' vive no corpo de 15 pessoas diferentes, e isso não muda em nada o sentimento da protagonista. Apostar nessa história é um passo extremamente arriscado para um filme, especialmente quando se trata mais de uma comédia romântica do que de um drama propriamente dito. Michael Sucsy (Para Sempre), diretor do longa, foi capaz de explicitar perfeitamente como certas conexões vão além de uma mera atração física, transcendendo o plano palpável.

Todo Dia é uma fantasia, mas com uma mensagem maior por trás. O próprio livro é direcionado para adolescentes -- afinal, fala sobre o primeiro amor durante a adolescência. No entanto, a obra se excedeu e conseguiu se provar importante em diferentes níveis. O filme tem suas falhas; a maior delas talvez seja o pouco desenvolvimento da questão familiar da protagonista. Muito se fala da relação de seus pais, mas acaba tendo quase aprofundamento nenhum. É uma dose de drama à história, mas que parece pouco influenciar. Seus diferentes níveis de intimidade com as pessoas que 'A' habitava também ficava evidente muitas vezes, isso porque alguns atores como Owen Teague (It: A Coisa) e Jacob Batalon (Homem Aranha: De Volta ao Lar) se destacavam em relação a outros. No entanto, não se deve tirar o mérito de Rice, que teve uma atuação completamente elogiável, conferindo carisma e simpatia à personagem principal.

Inúmeras vezes paixões adolescentes são retratadas como bobas e de pouco valor. Todo Dia fez o oposto. Quando menos se espera, o espectador se encontra torcendo para que o romance da personagem dê certo. Prova que um relacionamento pode ir muito além de uma mera atração física, a ponto de intimidade entre duas pessoas ser capaz de ultrapassar alguns obstáculos, como é feito literalmente neste caso. Trata a sexualidade e a noção corporal de maneira muito sutil, mas completamente bem inserida dentro do contexto. A noção de transformação como ser humano também se faz presente, e se percebe através de cenas muito delicadas e bonitas. No final, a história de Levithan é muito mais próxima da realidade do que se imagina.

 

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