O ator, diretor e roteirista Rafael Primot chamou a atenção da cena cinematográfica quando lançou o interessante Gata Velha Ainda Mia. Filme experimental e de baixíssimo orçamento, o longa surpreendeu e agradou a crítica. Agora, após cinco anos, Primot volta a apostar em um cinema autoral, totalmente independente e com ares experimentais em Todo Clichê do Amor.
No longa-metragem, o espectador acompanha três histórias aparentemente independentes. A primeira é da madrasta (Maria Luiza Mendonça) que fica sozinha com a enteada (Amanda Mirasci) durante o velório do marido; a do entregador (Primot) e a sua paixão platônica pela garçonete de uma lanchonete (Débora Falabella); e da prostituta sensível (Marjorie Estiano) que quer engravidar.
Obviamente, e isso não é spoiler, as histórias acabam se cruzando de maneiras midiáticas diferentes -- algo parecido com Idas e Vindas do Amor e Ele Não Está Tão Afim de Você. É, como o próprio título do longa-metragem diz, uma exploração das várias formas de clichês do gênero.
E, de fato, Primot constrói e desconstrói todos esses clichês de forma muito inventiva e o espectador, no início deve até estranhar com o clima geral da produção. Afinal, são usadas diferentes linguagens, diferentes clichês e diferentes cenas absurdas do gênero -- que até então não se sabe qual é o objetivo. "Crio um quebra-cabeça na mente do espectador para, no final, ele descobrir que não existe quebra-cabeça nenhum", afirmou Primot durante sua coletiva de imprensa.
Nisso, enfim, o filme é muito feliz. O problema que desmonta essa premissa de Primot é o meio de levar o espectador de uma ponta à outra. Primeiro: por ser dividido em três tramas distintas, há claros níveis de qualidade. A história da madrasta com a enteada, por exemplo, é chatíssima. Maria Luisa Mendonça (O Homem do Futuro) e a estreante Amanda Mirasci estão péssimas. Ainda que certa caricatura seja proposital, ela acaba extrapolando as telas. Não dá.
A história da garçonete com o entregador é bonitinha, mas cheio de percalços estranhos e desnecessários -- como o fato dela gostar de falar em libras. E Débora Falabella (O Filho Eterno) e Primot estão bem, nada fora do normal. Já a situação vivida pela personagem de Marjorie Estiano (Entre Irmãs) eleva o nível da produção, contando ainda com uma atuação surpreendente da atriz global. É, a meu ver, o que salva a produção de afundar ao longo de seus 90 minutos.
Ou seja: quando chega a história da madrasta, o público desinfla, enquanto se diverte um pouquinho com a da garçonete e se permite rir e se emocionar com a da prostituta. É uma mudança de tom muito grande.
Há, também, a tentativa de construir metáfora que desconstruam os estereótipos do amor. Mas a maioria fica muito na superfície, como o homem sem paladar, a mulher cega (que é um vexame em tela) e a tal comunicação em libras. É uma tentativa de reverter os clichês, mas que acaba deixando o filme numa tênue linha entre a desconstrução e o próprio clichê. Fica estranho.
Estranho também é a inserção de alguns temas que passam batido e não aprofundam em momento algum. Por ter apenas 90 minutos e três histórias, claro, essa tarefa é quase que impossível. Mas poderiam ter diminuído a quantidade de temas presentes ao longo de toda produção -- como suicídio, homossexualidade, deficiência visual -- e focado em coisas mais específicas.
No final, Todo Clichê do Amor é uma boa produção nacional, principalmente por mostrar a continuidade da interessante carreira de Primot e por sua força independente. Mas pena é que o filme não tenha conseguido manter totalmente sua força durante a execução dessa boa ideia. Não tira a curiosidade acerca do longa-metragem, mas traz uma dúvida sobre o que Primot apresentará a seguir.
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