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Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: 'Todas as Canções de Amor' é drama musical e emocionante


Colocar a música como o epicentro da emoção de um filme não é tarefa fácil. Afinal, roteiro e direção precisam trabalhar em harmonia para unir trilha sonora, história e condução da trama com maestria, como numa orquestra, e causar a esperada sensação de emoção por meio de uma música, um verso, um acorde. Foi o que fizeram os recentes Nasce Uma Estrela, Whiplash e Baby Driver, por exemplo. Agora, chegou a vez do cinema nacional emplacar um belíssimo drama musical: Todas as Canções de Amor.

Dirigido por Joana Mariani, que enfim sai da seara dos filmes religiosos (Marias, A Imagem da Tolerância), Todas as Canções de Amor acompanha a história de dois casais. O primeiro deles, composto por Ana (Marina Ruy Barbosa) e Chico (Bruno Gagliasso), vive o presente, acaba de se casar e se muda para um apartamento. Lá, eles encontram um rádio antigo com um fita dentro. Ela pertenceu ao segundo casal da trama, Daniel (Júlio Andrade) e Clarisse (Luiza Mariani), que viveu ali, mas acabou se separando.

A tal sound tape, como está na moda, acaba se tornando a condutora da trama. Afinal, em suas fitas estão gravadas músicas que se dizem de amor, mas falam sobre separação, fim de relacionamento e por aí vai. Ana, que é escritora, começa a imaginar a vida do casal anterior e os motivos que fizeram Clarisse gravar tais canções e endereçá-las ao marido. Na tela, então, se desenrola uma história dupla: Ana e Chico vivendo a alegria do presente, enquanto Clarissa e Daniel, a separação. Fica a dúvida, porém, se a segunda história é verdadeira, de fato, ou se é apenas um devaneio criativo da escritora.

Mas isso não influi na trama, que é lindamente contada por Mariani. Com um estilo de filmagem marcante, que exalta a luz natural e não se furta de fazer closes no rosto dos atores a todo momento, a história se desenrola de maneira natural, docilmente emocional e com uma seleção musical de dar inveja por sua pluralidade -- mérito de Maria Gadú, responsável por isso. Na fita -- e na trilha -- tem de tudo: Leandro e Leonardo, Cazuza, Rita Lee, Blitz, Gal Costa, Édith Piaf, Gloria Gaynor. Até lambada!

E, apesar de ser fácil de escapar dos meandros narrativos, a seleção de Gadú conversa a todo o momento com o roteiro de Nina Crintzs (Entre Irmãs), Vera Egito (Elis) e Roberto Vitorino (Samantha). A música que toca tem, de fato, ligação com a história sendo contada e, nos melhores momentos, ainda completa sensações, significados, emoções. É algo que Baby Driver fez muito bem recentemente, quando Edgar Wright pensava nas músicas até mesmo para acompanhar o ritmo dos tiros. Aqui, Mariani e Gadú pensaram nas músicas para acompanhar as batidas do coração de Ana, Chico, Clarisse e Daniel.

Os personagens, ainda que irritantes a princípio, também vão sendo desnudados e aprofundados de maneira inteligente -- seja por música, breves diálogos, gestos. Marina Ruy Barbosa se mostra talentosa também no cinema, após uma temporada de sucesso na TV Globo. Bruno Gagliasso (Isolados) está divertido, enquanto Luiza Mariani (O Grande Circo Místico) entrega bem uma personagem confusa com seu relacionamento. Mas é Júlio Andrade (Paraíso Perdido), novamente, que se mostra como um dos grandes nomes de sua geração. Emociona, canta, faz rir, gera conflito. É o profissional completo.

Só fica a falta, porém, de uma única música que catapulte a emoção para as alturas, como La La Land fez com City of Stars ou Nasce Uma Estrela fez com Shallow. Tentam criar algo parecido com Drão, de Gilberto Gil, mas não chega lá. Talvez por estar num momento pouco inspirado do roteiro, talvez por não ter um background na história. Só não funciona. E o encerramento com uma música internacional, ainda que inteligente e com sentido narrativo, tira um pouco do peso e do alcance do filme para o público geral.

A diretora tenta contornar essa falta de explosão com alguns subterfúgios, como um pequeno diálogo que se repete sobre o significado da palavra "amor" ou, ainda, com a canção que não foi tocada no violão. São situações que ativem emoções primais das pessoas, mas que não eleva a trama como uma música bem encaixada poderia fazer.

Há, também, um grave problema de ambientação que deixa a trama confusa. Ana e Chico parecem viver os dias atuais -- tem aplicativos de conversa e transporte em seus smartphones, por exemplo. Só que Clarisse e Daniel vivem nos anos 1990, aparentemente, quando os celulares estavam surgindo. Há poucas diferenças ao redor do apartamento para mostrar esse avanço temporal e, principalmente, como um rádio e uma fita ficaram décadas dentro de um apartamento sem ninguém encontrar? Licença poética que pode incomodar.

Mas Todas as Canções de Amor continua sendo um filme extremamente sensível, inteligente, bem escrito e bem dirigido. Boa revelação de Mariani como cineasta, indo além dos filmes religiosos e com pouco espaço para a criatividade, e bom ponto para o cinema nacional, que enfim consegue colocar a boa música brasileira -- de todos os gêneros -- num drama bem contado. É um filme que emociona, faz rir, dá medo, faz pensar, cria o sentimento de nostalgia. Tudo junto e misturado. Grande filme nacional de 2018.

*Filme assistido durante a cobertura da 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

 

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