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Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: 'Tia Virgínia' é o melhor filme do ano com atuação histórica de Vera Holtz


Nunca dou cinco estrelas para filmes logo de cara. Geralmente, se gosto muito de alguma coisa que assisti, dou primeiro 4,5 estrelas. Depois, revejo e avalio se merece a cotação total. Um costume meu, que já levo há anos. Mas não foi isso que aconteceu na noite de quinta-feira, 19 de outubro, quando saí da sessão de Tia Virgínia da Mostra 2023. Coloquei, de cara, as 5 estrelinhas.


Motivos não faltam. Pra começar, a história do longa-metragem, dirigido e roteirizado por Fabio Meira (do também ótimo As Duas Irenes). Virgínia (Vera Holtz) mora em uma casa com a mãe, uma senhora que se aproxima dos 100 anos de idade e que já não fala ou se mexe. Depende dos outros. É nesse contexto que a família vai celebrar o Natal, recebendo as duas irmãs (Louise Cardoso e Arlete Salles), além do marido de uma delas (Antonio Pitanga) e dois sobrinhos.


É nesse encontro de família que as coisas começam a surgir. Ressentimentos, mágoas, pensamentos, segredos. Virgínia já não aguenta mais cuidar de tudo sozinha. Vê sua vida passar pela janela, enquanto fuma um cigarro e observa, bem de longe, as duas irmãs tocando a vida com marido e filhos. As irmãs, enquanto isso, começam a enxergar Virgínia como uma louca -- ela trata a mãe como se estivesse sã, tem lampejos juvenis, dentre outras coisas do dia a dia.


A partir daí, nós, espectadores, somos catapultados dentro dessa dinâmica. Tia Virgínia, felizmente, não tem medo de fazer humor com a desgraça: são várias as cenas em que as coisas estão saindo do controle e, mesmo assim, Meira não tem medo de tirar uma sacada, uma piada, um observação astuta. É, enfim, a dinâmica familiar, que se monta em situações tragicômicas. O que seria a família se não fosse uma mistura de tragédia e comédia, não é?


Como numa peça de teatro, em que todas as sequências se instalam em um mesmo ambiente (a casa onde Virgínia mora com a mãe), o longa-metragem se comporta quase como uma orquestra -- ou um bolero de Ravel? As peças vão se encaixando, se movimentando. Meira sabe dizer muito com os silêncios, mas também é certeiro quando trata de explosão. As emoções vão se empilhando, enquanto as personagens mostram facetas, máscaras caem e por aí vai.

Tudo isso é catapultado por dois elementos primordiais, que colocam o filme em outro patamar: a direção de arte e as atuações. Sobre o primeiro ponto, há uma qualidade absurda em construir uma casa que conversa com o passado do brasileiro. O chão com caquinhos de cerâmica na entrada, o presépio, os pratinhos na parede, o relógio de um antepassado. Tudo ali é verdadeiro.


Mas Tia Virgínia não seria o filme que é se não fossem as atuações. Salles e Cardoso estão bem como essas duas irmãs que entram em rota de colisão e com opiniões fortes. Pitanga também está bem como um homem com seus primeiros sinais de Alzheimer, mas serve mais como um alívio cômico -- o que, acredito, pode ser problematizado por alguns. Mas é Vera Holtz que brilha: a atriz entrega um tour de force impactante, onde administra suas emoções genuinamente.


Tia Virgínia é Vera Holtz. Ao sair da sessão do filme, disse algo no calor da emoção e que reafirmo agora: se o Brasil tivesse um cinema mais reconhecido internacionalmente, Holtz poderia repetir o feito de Fernanda Montenegro com uma indicação ao Oscar. Não é exagero, não é empolgação momentânea. A atriz tem uma atuação histórica. Sem dúvidas, a melhor do ano.


Se for pra procurar pelo em ovo, dá pra dizer que o filme não sabe o momento certo de acabar. Há uma cena fantástica que, depois, é seguida por outras duas pequenas cenas que fazem sentido, mas que não precisava. Me lembrou o filme Como Nossos Pais, que também comete um erro parecido, não terminando na magnífica cena em que Clarice Abujamra toca ao piano.


Mas tudo bem. Tia Virgínia é, indiscutivelmente, um dos melhores filmes de 2023 -- pra mim, o melhor até agora, superando Oppenheimer e Assassinos da Lua das Flores. Um filme forte sobre família, relações, memória, medo, tristeza, vontade de viver e de morrer. Tudo isso ainda regado com atuações que deixam qualquer um com vontade de aplaudir, de pé, no final da sessão.

 

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