Achei curiosa a premissa de Tesouro, longa-metragem que estreia nesta quinta-feira, 28, e que fala sobre pai (Stephen Fry) e filha (Lena Dunham) que vão viajar para a Polônia. Curiosa, afinal, não por qualquer ineditismo da coisa, mas pela semelhança absurda com o vindouro A Verdadeira Dor: ambos falam sobre familiares viajando para o país europeu em busca de fazer com que algumas memórias sejam abatidas, revigoradas, refeitas ou, até, soterradas.
No entanto, há uma diferença essencial entre os dois filmes: a sensibilidade. Enquanto o longa-metragem de Jesse Eisenberg sabe como lidar com as nuances entre drama e comédia, medo e esperança, amor e terror, esta produção dirigida por Julia von Heinz (E Amanhã... O Mundo Todo) vai por um caminho diferente, de exagero, de explosão e até de um humor histriônico, pastelão.
Tudo nasce, aqui, da relação complicada entre pai e filha. Ele, vivido por um inusitado Stephen Fry (Assassinato em Gosford Park), é um homem mais resolvido com seus problemas e memórias -- ainda que haja dores escondidas ali, apenas esperando um momento para aparecer. Já ela, vivida por uma exageradíssima Lena Dunham (Girls), não tem paciência com o pai, não é bem resolvida com seus problemas e, acima de tudo, sofre com o que não viveu.
O fantasma familiar a persegue, impõe comportamentos e medos. É algo visto no personagem de Kieran Culkin em A Verdadeira Dor -- ele é o elo frágil da equação, mais aparente em sua fragilidade, enquanto o personagem de Eisenberg esconde melhor. Relações bem parecidas.
A Verdadeira Dor, enfim, tem cuidado, sensibilidade, amabilidade. Já Tesouro é bruto e, pior, esquece que seus personagens são humanos. Oras, será que uma filha simplesmente acharia de bom tom colocar o pai, sobrevivente de Auschwitz, dentro de um trem na Polônia? E será que não perceberia, mesmo após a recusa do pai, que isso é de uma extrema falta de sensibilidade?
Pior que os problemas de falta de humanidade dos personagens não se limitam apenas às relações, mas também na essência (e nas dores) de cada um deles. A filha, por exemplo, sofre de um transtorno alimentar, mas tudo ali é jogado, nada é desenvolvido. Parece quase fruto de seu trauma geracional, mas sem razão de ser. Tudo é muito vazio -- realmente quase sem vida.
Tesouro, assim, comete o pecado que um filme dessa magnitude e proposta não poderia cometer: é frio, é gélido, é pouco compreensivo. Pela graça e pelo drama exagerados, a diretora Julia von Heinz apenas desenvolve aquilo que lhe é desejado como mensagem final: a necessidade de filhos compreenderem as dores do pai, e vice-versa, pensando também em como traumas passados se transformam, mesmo atuando naqueles que não viviam antes.
Objetivo nobre? Talvez. É um tema complicado, cheio de nuances, que precisaria ser mais trabalhado, pensado. Não dá para tratar isso simplesmente como humor -- A Verdadeira Dor funciona, justamente, por não colocar um sobrevivente do Holocausto, mas sim pessoas que só ouviram falar disso. Quando Julia muda essa lógica, os cuidados precisam ser mais intensos.
O fato, porém, é que não há qualquer cuidado aqui. É um filme feito sem pensar em suas complicações e implicações, pouco sutil (só ver a patética cena do elevador, com Dunham e os figurantes competindo para ver quem é pior ali) e pouco compreensivo com a dor, com a verdadeira dor, com diz o outro longa já no título. A busca pelo resultado, e não pela forma de alcançá-lo, é o grande tropeço de Tesouro, que nunca encontra de fato seu norte e suas ideias.
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