David Bowie nunca quis uma cinebiografia para chamar de sua. Apesar de sua proximidade com o cinema, em filmes como Labirinto e O Homem que Caiu na Terra, a mente por trás de Space Oddity e Heroes nunca quis que sua vida fosse exposta nas telonas. Era uma decisão pessoal e íntima. Ponto final. Depois de sua morte, em 2016, esse desejo continuou firme com herdeiros.
No entanto, essas vontades de Bowie parecem não valer nada para Gabriel Range, péssimo cineasta por trás da cinebiografia Stardust. Exibida na 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, a produção desrespeita absolutamente tudo que Bowie sempre tentou proteger. A relação do astro com amigos, a vida íntima de terceiros e, acima de tudo, a saúde do irmão.
Com um Bowie irreconhecível interpretado por um esforçado Johnny Flynn (Acima das Nuvens), Stardust tenta mostrar um período curto na vida do astro da música. Mais especificamente, quando Bowie começa a alçar seus primeiros voos, ainda como desconhecido, e tenta emplacar suas músicas -- ainda experimentais -- em solo estrangeiro, em pleno Estados Unidos.
A partir desse pequeno trecho, Range tenta explorar todas as facetas de Bowie. Sua relação com a fama, processo criativo, a relação com a esposa (Jena Malone), sexualidade e como ele lidava com os problemas mentais do irmão. Ou seja: como já dissemos, não há nada banal em Stardust. O diretor, e também roteirista, foi fundo em sua vontade de falar sobre a vida de Bowie.
Mas os problemas são empilhados ao longo dos quase insuportáveis 110 minutos. Primeiramente, apesar do esforço de Flynn e a presença positiva de Marc Maron (Quase Famosos) como empresário do astro, a trama tem ar, cheiro e visual de filme amador. Filme B. A maquiagem é deplorável, as perucas piores que as de Bohemian Rhapsody e cenários ruins.
Range, que vem de um cinema B, não sabe contornar esses problemas de produção com uma boa direção. Ele tem um estilo rasteiro, típico de cinema de TV barato, que não encontra o luxo e a elegância que Bowie exige. Não consegue trazer vigor. E isso piora ainda mais quando não encontramos músicas clássicas e necessárias de Bowie na trilha sonora deste longa-metragem.
Afinal, por ser uma cinebiografia não autorizada, obviamente a família não liberou os direitos das músicas. Há apenas algumas canções desconhecidas, compostas por terceiros e interpretadas por Bowie, e que não trazem a emoção necessária. Falta uma cena grandiosa e potente como os 30 minutos finais de Bohemian. Ou, ainda, as cores e o brilho de Rocketman.
Dessa forma, no final, encontramos em Stardust tudo que pode haver de pior no cinema biográfico. Falta de respeito ao retratado, qualidade baixa de direção, pouco apreço à aparência dos personagens e do cenário e, principalmente, uma biografia genérica. A sinopse, o título e a narrativa dizem que é um filme de Bowie. Mas, sem esse vigor, poderia ser de qualquer um.
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