Confesso que até uma hora de duração, mais ou menos, sentia que Sorria era um dos grandes filmes de 2022. Não só pela criação visual ousada para um blockbuster, principalmente pelos movimentos de câmera e a boa direção do estreante Parker Finn, como também pela história da psiquiatra Dra. Rose (Sosie Bacon), atormentada após presenciar um suicídio, e que passa a ver uma entidade maligna. Uma pena, porém, que a estreia desta quinta-feira, 29, se perca tanto.
Até sua metade, afinal, o longa-metragem é acerto atrás de acerto. A começar pela boa atuação de Bacon (Mare of Easttown), que vive com grandeza essa personagem atormentada por entidades malignas que insistem em colocar um bizarro sorriso no rosto. Ela parece estar mesmo atormentada e contribui para que os jumpscares realmente funcionem -- um deles, que envolve um áudio escutado repetidamente no computador, é de fazer dar um pulo da cadeira.
Além disso, a história, assinada pelo próprio Finn, também tem seus méritos. Com ecos de filmes como Babadook e filmes de terror que seguem pela linha da saúde mental como terror, Sorria mostra como a dor emocional não é facilmente compreendida e tampouco facilmente curada. Uma cena de Rose no hospital, após se ferir com vidros, chega a ser perturbadora com tão pouco acontecendo. É apenas ela no ambiente frio do hospital e a placa de escala de dor.
Finn, como já tinha mostrado habilidade em seus dois outros curtas, também exemplifica o que é um filme de terror que assusta de verdade. Insere alguns jumpscares para acordar o público, mas também traz alguns sustos com sons, sussurros e até mesmo frustrando expectativas. É como se pegasse a cartilha de James Wan (Invocação do Mal), com as assombrações atrás das portas de geladeiras, e invertesse tudo que foi absorvido ali, trazendo novos olhares ao terror.
Só que tudo vai por água abaixo no terceiro ato. Repentinamente, o roteiro de Finn passa a explicar a assombração não exatamente como a doença mental que parecia ser até então, mas como uma cadeia contagiosa. Um Corrente do Mal da vida. E aí o filme perde todo seu brilho e suas particularidades, partindo para obviedades sem fim -- uma das soluções encontradas por Rose, por exemplo, faz com que toda a tese dessa metáfora vá por água abaixo. É horrível.
Os momentos finais, que tentam dar deixa para uma sequência, também mostram toda a fragilidade de Sorria. A tentativa de voltar para a tese inicial, falando sobre saúde mental, com elementos sobre medos passados e traumas, não conseguem mais se sustentar após essa virada no final do segundo ato, com a possibilidade dela escapar da "maldição" com uma única solução. As coisas não encaixam mais. E Sorria, uma pena, termina mal demais.
A sensação que fica é que Finn tinha uma ideia, fechada e bem pensada, mas que acabou sofrendo influências de terceiros -- estúdio, produtores? Há um filme dentro do filme, uma mensagem dentro da mensagem. E o pior é que esses dois universos não conversam. O que fica é a sensação de uma história estragada, jogada no lixo, mas que poderia ficar no panteão de produções como Corrente do Mal, Babadook e afins. No final, porém, é só mais um filme.
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