Atualmente, no Brasil, discute-se muito a questão do ensino sobre sexualidade nas escolas. Alguns chamam isso de "ideologia de gênero", outros de "sexualização de nossas criancinhas". Mas o fato é que o ensino sobre sexo e suas questões é essencial para que uma sociedade amadureça, encontre sua identidade e evite conflitos de gênero e coisas do tipo. Falando sobre sexo, de maneira aberta e franca, é que se aprende sobre sexo. Não é fazendo, não é em casa, onde o tabu impera. É na escola, na aula.
A série Sex Education, produção inglesa original da Netflix, mostra essa questão de uma maneira aberta, divertida e que ressalta a importância sobre a discussão de sexualidade, seja da maneira que for. Na trama, acompanhamos Otis (Asa Butterfield), um garoto que lida com a sexualidade desde pequeno. Afinal, sua mãe Jean (Gillian Anderson) é sexóloga e sempre tratou o tema de maneira aberta. Quando o rapaz vê que seus outros colegas não sabem lidar com a questão, então, ele decide abrir uma "clínica" na escola para falar sobre temas como gênero, sexualidade, tabus, sexo e afins.
Para isso, porém, ele conta com a ajuda da descolada Maeve (Emma Mackey, que é a cara da Margo Robbie) e do amigo gay Eric (o excelente Ncuti Gatwa, que rouba a cena).
Até o terceiro episódio, mais ou menos, os diretores Kate Herron e Ben Taylor lidam com uma trama que parece não deslanchar e recheada de estereótipos batidos. A mãe de Otis, por exemplo, começa de maneira chatíssima. É muito segura de si, nada a abala, nada atrapalha sua jornada. Eric é o estereótipo do amigo gay, sempre feliz, alegre, de bem com a vida. Nem parece ligar para piadas que fazem nos corredores envolvendo um acontecimento em público na escola que acabou entrando para a história de alunos.
Aos poucos, porém, o quinteto de roteiristas da série, guiados pela criação de Laurie Nunn, vão criando uma trama extremamente complexa onde até personagens secundários ganham camadas cheias de dúvidas, questões, inseguranças, medos e angústias. A personagem da mãe passa a ter dois lados -- todos eles ótimos de ver e acompanhar. Eric, enquanto isso, se torna a alma da série, apesar da jornada de Otis e Maeve também ser atraente. Mas o amigo gay tem um desenvolvimento tão real, forte e humano que é difícil não embarcar na história e sentir uma forte empatia pelo rapaz.
O melhor da trama, porém, é que Sex Education está ali também para colocar tabus na tela, discutir questões atuais sobre a sexualidade e refletir sobre como o tema é tratado. Enquanto países como o Brasil buscam retirar a discussão das salas de aula, a produção original da Netflix escancara a importância da discussão. Espectadores mais velhos, aliás, devem se chocar como alguns temas são tratados pelos roteiristas, como o envio de nudes sem consentimento e masturbação. É claro, sem tabus, sem receios.
A ambientação, típica de escolas americanas como já foi visto em Clube dos Cinco e afins, também tem clichês revertidos a toda hora. É interessantíssimo de assistir isso.
Vale ressaltar que a trama poderia cair no ridículo ou no absurdo se não fosse o elenco, extremamente afiado e afinado. Asa Butterfield, mais conhecido no cinema por conta de A Invenção de Hugo Cabret e Ender's Game, assume um papel difícil de um garoto que é virgem mas que, por conta da profissão da mãe, sabe mais sobre sexualidade do que qualquer outro. E vai muito bem. Melhor ainda é o relacionamento do personagem dele com Maeve, muito bem interpretada por Emma Mackey. Ela é a que mais parece unidimensional, mas possui uma forte carga interpretativa para elevar os sentimentos.
Mas a série é do estreante Ncuti Gatwa, que possui um desenvolvimento forte, extremamente brusco, mas que faz muito sentido por conta da interpretação. Vai longe.
Alguns personagens secundários também ajudam a ditar um ritmo mais leve para a narrativa, evitando que ela fique totalmente centrada em dramas humanos sobre sexualidade adolescente. A personagem Aimee (Aimee Lou Wood), por exemplo, é uma das mais divertidas da produção e traz algumas discussões divertidas, relevantes e interessantes. Sex Education, dessa maneira, atinge um grau difícil, que junta roteiro inteligente, entretenimento bobinho e uma vontade desesperadora de maratonar tudo.
Assim, a produção britânica mostra que a Netflix saiu de um momento em que os principais acertos são tramas complexas, como House of Cards, heróis da Marvel e coisas do gênero. Seus melhores produtos agora são séries aparentemente banais e muito realistas, como Atypical e, mais recentemente, Você. Menos é mais. E Sex Education, que chega sem grandes pretensões, mas com uma grande história, é mais uma prova disso. É uma trama banal e divertida, mas que traz algumas boas reflexões que fazem sentido em qualquer lugar do mundo. Que venha mais temporadas.
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