A primeira fala do longa-metragem As Filhas do Fogo surge na tela após um dez minutos de filme, momento em que alguns corpos nus já foram mostrados sem pudor e um orgasmo foi filmado detalhadamente, numa cena sem muito nexo. Ainda que um tanto quanto inesperados, esses minutos iniciais são apenas um pequeno aperitivo do que se desenrola ao longo dos 115 minutos de duração deste filme, que chega aos cinemas nesta quinta-feira, 14, questionando limites entre cinema, arte e pornografia.
Dirigido por Albertina Carri (La Rabia), As Filhas do Fogo não tem uma história muito coesa -- e, aparentemente, nem ao menos tenta ter alguma. Começa com duas namoradas (Mijal Katzowicz e Disturbia Rocío) se reencontrando em algum lugar da Tierra del Fuego, região da Patagônia argentina. Uma delas passa a ter a ideia de fazer um pornô lésbico, longe das amarras dos filmes pornográficos comandados por homens. É uma metalinguagem onde o próprio filme é o objetivo dessa personagem.
Logo de cara, como já salientado, Carri não se prende em pudores. Há cenas de penetração, orgasmo, ejaculação e closes em genitais. É, de fato, um filme pornográfico. E aí que surge o interessante questionamento -- talvez único -- da forma do cinema. Qual o limite entre o cinema, a arte e a pornografia? Este é um filme que deve passar no circuito? Melhor: é um filme que vai conseguir passar no circuito? São questões que surgem a todo o momento e que são potencializadas em sequências polêmicas, como uma cena de masturbação com quase 10 minutos e uma sequência de sexo na igreja.
No entanto, apesar desses questionamento sobre a forma de exibição e de distribuição de As Filhas do Fogo, a experiência coletiva de ver esse longa-metragem numa sala de cinema é, no mínimo, marcante. Não é normal ver filmes pornográficos com dezenas de desconhecidos. É incômodo, até. Sem dúvidas, Carri buscou trazer isso para a tela e causar esse questionamento interno. Os próprios limites do cinema pornográfico são postos ali, principalmente quando a personagem que narra a história tece bons poemas.
Infelizmente, porém, As Filhas do Fogo não vai além disso e acaba ficando preso num questionamento que já foi feito por aí em filmes como Love e o próprio La Rabia, da mesma diretora. A trama, escrita por Carri e pela estreante Analía Couceyro, não tem pé nem cabeça. Fica evidente que isso é uma espécie de paródia dos próprios filmes pornográficos, com pessoas que transam logo depois de se encontrarem na rua ou após o encanador fazer algum serviço. Mas no cinema, e num filme com quase duas horas de duração, fica estranho. Não há um norte que guie o longa-metragem. Não há objetivos.
Em entrevistas, Albertina Carri disse que As Filhas do Fogo é um filme que trata de sororidade, feminismo, diversidade sexual. Pode até ser. Mas é preciso cavar muito, muito, muito fundo para achar algo assim nessa narrativa. A forma que as personagens se encontram, e vão construindo uma road trip regada a sexo, é inábil dentro do filme. Em determinado momento, são sete as personagens que se envolvem sexualmente -- ao mesmo tempo, inclusive. E a maioria surgiu de lugares inimagináveis. Teria sido mais interessante focar em duas ou três e tecer uma narrativa mais elegante, complexa.
As Filhas do Fogo, sem dúvidas, causa imensos questionamentos durante seu desenrolar, como o que é cinema, qual o limite de uma sala de exibição, o que é um filme pornográfico e se filme pornográfico é cinema. Boas questões, que se estendem para fora da sala. Mas falta uma narrativa, uma história que deixe o público atraído e não sinta vontade de levantar e ir embora por constrangimento pelas cenas explícitas que forem exibidas. Divertido, também, vai ser acompanhar a distribuição de As Filhas do Fogo. Se estiver em mais de duas salas de cinema, vai ser uma grande surpresa.
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