Sou um grande fã do trabalho de Woody Allen. Assisti todos os seus filmes e revi dezenas de vezes os meus preferidos. Por isso, consigo encontrar ecos das histórias e de suas autorreferências de maneira quase automática. Em Roda Gigante, esse meu “radar” não parou de apitar em momento algum. Apesar de ter vários acertos que falaremos abaixo, seu novo filme parece um apanhado de pedaços de outras histórias do cineasta que vimos há pouco nos cinemas.
Veja bem: Roda Gigante se passa na casa de uma família um tanto quanto disfuncional. O marido, interpretado com consistência por Jim Belushi, toma conta de um carrossel e, nas horas vagas, bebe e sai pra pescar. A esposa, com atuação arrebatadora de Kate Winslet, é uma garçonete frustrada e que, pra enfrentar fortes dores de cabeça, toma remédios sem parar e cai frequentemente no vício do álcool. Lembrou alguma coisa? Pois é. Mesma trama de Blue Jasmine.
Para piorar a situação da família, há ainda a filha (Juno Temple, bem mais madura), que vai pra casa do pai e da madrasta pra fugir do ex-marido mafioso. Há, também, o personagem de Justin Timberlake (apenas regular), que acaba se envolvendo amorosamente com Winslet e Temple. Algo muito parecida com o que foi visto em O Homem Irracional e, ainda mais, em Café Society. Filmes frescos na cabeça do espectador, tornando quase impossível não relacioná-los.
Assim, Roda Gigante começa com o pé esquerdo. Tudo parece reciclagem de outros filmes. E não adianta falar que é um cinema muito autoral, que isso pode acontecer. Sei que é autoral, sei que o Woody Allen lança um filme por ano. Mas nada disso é justificativa para o looping temático. O diretor sempre falou desse temas -- álcool, traição, romances pouco aceitos. É o universo dele. Só que não dá pra negar que os temas estão sendo tratados da mesma maneira há três filmes.
Roda Gigante só não é uma decepção total por conta de elementos que valorizam, e muito, a história. Primeiro: Kate Winslet. A atriz, que veio dos péssimos A Vingança Está Na Moda, Beleza Oculta e Depois Daquela Montanha, volta a mostrar sua força interpretativa numa mulher que chega ao seu limite e que é tratada como louca pelos seus pares, como também já é costume nos filmes de Allen. Ela se entrega e, assim como Belushi, deve ter um espaço no Oscar.
Outro ponto que eleva um pouco o filme frente aos demais é uma bobagem, mas deixa o filme bem mais interessante: o menino Jack Gore, que faz o filho de Winslet e enteado de Belushi. O rapaz, por algum motivo, tem uma obsessão por incêndios e coloca fogo em tudo que vê. É divertido e tem uma boa sacada visual e narrativa dentro desses acontecimentos. É um bom alívio cômico para um filme pesado, cheio de dramas familiares e problemas de autoafirmação.
Além disso, grande acerto é a fotografia do filme, comandada pelo veterano Vittorio Storaro (de Apocalypse Now e Último Tango em Paris). Aqui, a palheta de cores -- que transita entre o vermelho vibrante e o azul pálido, às vezes quase glacial -- tem influência na trama e nos seus humores. É interessante ver a transição natural de uma luz pra outra, dando o tom da situação. Pena, porém, que em determinado momento Storaro e Allen se perdem um pouco e usam luzes pouco naturais.
Por fim, o que posso dizer é que o grande acerto de Roda Gigante são as brincadeiras e as metáforas narrativas. A roda gigante do título é perfeita para demonstrar como a vida dos personagens está sempre em transformação, com coisas acontecendo, mas sempre volta ao mesmo lugar. Há, também, toda a brincadeira com o fato de Justin Timberlake ser um salva-vidas que entra nesta família tão problemática e pelas alfinetadas de seu personagem ao mundo dos escritores.
O grande ponto, porém, é a metáfora que Allen faz com a própria vida -- que pode nem ter sido intencional. Em determinado momento, Kate Winslet diz para Belushi que ele olha para a filha de um modo pouco paternal. E, bem, a vida de Woody Allen é um tanto conturbada nesse sentido. É estranho e um tanto quanto obscuro ver essa história ser reatada em um de seus filmes e, principalmente, no momento que vivemos. Fica o questionamento, então, do que ele quis com isso.
De qualquer jeito, é uma pena que tantos bons elementos tenham sido embalados em uma trama fraca e reciclada. Seria ótimo ver tudo isso numa história mais original, mais ousada e que mostre o poder de renovação de Allen -- mesmo lidando com temas que estão em seus filmes desde o começo da carreira. Agora, é esperar ano que vem e, quem sabe, o cineasta saia um pouco desse looping criativo. Estou ansioso por um novo grande filme em sua vida.
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