Em 2017, quando o bolsonarismo e um possível governo de Jair Bolsonaro eram apenas um pesadelo muito distante, artistas já começavam a sentir os ares de um conservadorismo intolerante e intolerável. Foram as reações ao Queermuseu, ao artista que se apresentava nu e teve seu pé tocado por uma criança... Agora, a gênese do bolsonarismo (e desdobramentos) nas artes é analisada com o longa Quem Tem Medo?, documentário que estreia nesta quinta-feira, 4.
Dirigido pelo trio Ricardo Alves Jr., Dellani Lima e Henrique Zanoni, o longa-metragem passeia por uma série de histórias mostrando esses bastidores de espetáculos, apresentações, exposições e afins que sofreram com esse movimento. É uma pedrada ali, um xingamento aqui, uma intolerância lá. São movimentos que, quando isolados, pareciam algo específico para aquela apresentação, mas que vistos assim mostram uma coerência maligna e até perversa.
É interessante como Alves Jr., Lima e Zanoni conseguem criar um cenário complexo e um tanto quanto desafiador colocando os artistas pra falarem. Eles relatam o que houve em suas experiências artísticas, mas também colocam em perspectiva em como isso impactou os seus trabalhos, suas visões pessoais e atingiram um ápice complicado nos dias de hoje. Ou seja: não é um filme que apenas observa o que aconteceu, mas que reflete a partir de bons relatos.
Outro ponto de atenção é como Quem Tem Medo? mostra trechos de políticos e de autoridades falando sobre esses mesmos espetáculos, exposições e afins, enquanto também acompanhamos o lado dos artistas. Mais do que inacreditável, são falas preconceituosas, bizarras e, se não fossem tão tristes, seria até mesmo tragicômicas -- o deputado falando, no meio do plenário, que uma arte do Queermuseu era "prostituição infantil" é inacreditável.
Dessa forma, mesmo com alguns momentos um tanto quanto repetitivos, Quem Tem Medo? traz uma reflexão profunda sobre o estado da arte no Brasil. A forma como a intolerância ao contrário evoluiu e ganhou novos formatos, a maneira como o conservadorismo foi saindo da casinha, a maneira que os conservadores se declararam cada vez mais abertamente, sem medo e sem vergonha. É um documento histórico, mas que faz pensar e refletir sobre o Brasil.
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