Comédias francesas são conhecidas por serem finas, elegantes, ácidas, irônicas. É uma espécie de fórmula que tem funcionado muito bem, seja em termos de bilheteria ou de crítica. Primeiro Ano, longa-metragem do gênero que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 28, acompanha isso. O humor permeia toda a narrativa e injeta doses inesperadas de ironia, que elevam o filme como um todo. No entanto, a trama é tão particular e tão específica que pode não fazer sentido para o grande público no Brasil.
Primeiro Ano conta a história de Antoine (Vincent Lacoste) e Benjamin (William Lebghil). O primeiro é um jovem determinado que está entrando no terceiro ano de uma espécie de cursinho para medicina -- mas focado em ciências da saúde, podendo escolher o foco da faculdade depois de finalizar testes e provas. O outro, enquanto isso, é um rapaz que persegue o sonho de ser médico como obrigação e não como preferência. Afinal, o pai é um famoso cirurgião francês e, de certo modo, impôs a árdua profissão ao seu filho.
A partir daí, o diretor e roteirista Thomas Lilti (Insubstituível) tece uma trama na qual esses dois personagens se cruzam e se tornam bons amigos. Só que há um ponta de crueldade aí. Afinal, Antoine, apesar da paixão pela medicina, não consegue passar na faculdade de jeito algum. Não é à toa que está em seu terceiro ano desse preparatório. E Benjamin, enquanto isso, chega arrasando, com notas melhores do que as do amigo. É o bastante para criar uma boa dose de tensão na narrativa, que vai além de uma comédia.
O fato, porém, é que não é fácil para o brasileiro mergulhar no filme. Aqui, o sistema para entrar em faculdades é bem diferente do francês. Não há essa necessidade de escolher um grande tema como foco para, depois, fazer a opção pela profissão. Não é o mundo que conhecemos. Por isso, grande parte dos 92 minutos de projeção são usados para tentar entender aquele sistema anormal. A comédia fica em segundo plano, assim como as subtramas, os personagens secundários. É algo que tira peso da experiência.
Mas passado o desafio de entender o sistema de vestibulares na França, Primeiro Ano se torna uma comédia agradável -- assim como foi o divertido Insubstituível, também de Lilti. Não há grandes momentos, não há piadas escrachadas. Há apenas a trama, que segura todo seu humor e ironia em situações do cotidiano. Muito disso se deve à química da dupla Vincent Lacoste (Conquistar, Amar e Viver Intensamente) e William Lebghil (Amor à Primeira Briga). Os dois entram bem nos personagens e, na tela, conseguem exprimir tudo que poderia ser exposto pelos dois. Bons atores.
O grande trunfo, porém, está na crítica sensível e delicada que permeia todo o roteiro -- e que, mesmo com sistemas tão diferentes, serve ao estudante brasileiro. É cruel ter que decidir uma profissão antes dos 20 anos, quando as pessoas vivem uma fase turbulenta de suas vidas. Mais cruel ainda é se ver obrigado a escolher algo e competir com pessoas que possuem outros focos, outros objetivos, outros sonhos. Difícil lembrar de algum outro longa-metragem que tenha acertado tão bem nesse tempo. É ótimo.
Vale ressaltar, também, a boa ambientação do clima de um preparatório de vestibular -- apesar dos exageros, como o momento em que um professor canta uma música pornográfica com líderes de torcida. Humor francês que extrapola e que perde sentido.
Ao final, Primeiro Ano é um filme agradável. Tem o problema da compreensão do sistema e, também, algumas subtramas que não chegam em lugar algum -- como o estranho relacionamento de Benjamin com a vizinha. Não é um filme espetacular. Mas para quem quiser se divertir com algo agridoce, que traz comédia com uma boa e original crítica social, a pedida é boa. Não vai te fazer gargalhar, nem vai ser marcante na memória. Mas vai te divertir por 1h30 e te fará questionar o sistema de vestibulares, seja aqui ou na França. E isso, sem dúvidas, é um grande e inesperado ponto positivo.
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