Joana (Dira Paes) é uma devota religiosa, no Brasil de 2027, que se dedica à causa religiosa de corpo e alma. Funcionária num cartório, ela tenta fazer com que casais, em via de divórcio, vejam o lado bom do matrimônio e desistam de dar entrada no processo. E mais: convence esses mesmos casais a participarem de um culto na sua igreja, a Divino Amor, que tenta restabelecer a conexão entre corpo e espírito. No meio dessa sua jornada, a protagonista ainda precisa enfrentar as aflições de seu próprio casamento com Danilo (Júlio Machado), com quem tenta conquistar a "glória divina" da gravidez.
Esta é a premissa de Divino Amor, dirigido por Gabriel Mascaro, que se vale das cores de seu trabalho anterior, Boi Neon, para criar essa parábola religiosa sobre esta mulher evangélica num Brasil distópico. A premissa, como fica claro numa breve sinopse como a de cima, é interessantíssima. O cineasta, afinal, pega uma fagulha da sociedade brasileira e a amplia. O projeto de poder evangélico, que cresce a cada minuto e a cada dízimo, é escancarado ao máximo neste longa. É uma análise precisa e extremamente atual, que promete se embrenhar no mais humano e irracional de um povo religioso.
No entanto, esse entusiasmo com a premissa morre com 20, 30 minutos de filme. O roteiro, escrito a oito mãos por Mascaro, Rachel Daisy Ellis (Ventos de Agosto), Lucas Paraizo (Aos Teus Olhos) e pelo estreante Esdras Bezerra, é uma bagunça pretensiosa, chata e desconexa. Parece que o quarteto não soube no que focar e acabaram atirando para todos os lados. Há um inchaço aparente de cenas desnecessárias, sem nexo com o que está sendo contado. Por vezes, desaceleram na crítica. Em outros, exageram. Parece alguém que acabou de tirar carta, com o carro aos solavancos, sem destino.
E isso ficou extremamente evidente na coletiva de imprensa, quando Mascaro, Rachel Daisy Ellis e as atrizes Mariana Nunes e Dira Paes tentaram colocar panos quentes sobre a crítica do filme aos evangélicos -- "isso é uma visão rasa sobre o filme", chegou a responder Dira em uma pergunta sobre o incômodo que religiosos poderão sentir.
Se isso é uma visão rasa sobre o filme, qual é o objetivo? Chocar com cenas de sexo gratuitas, que Mascaro parece ter tomado gosto após Boi Neon? É trazer uma distopia que causa polêmica? É colocar as cores neon numa parábola evangélica? É cutucar parte da sociedade gratuitamente? Difícil entender e explicar para alguém o que quer. Parece que não tiverem coragem de chocar por meio de boa trama e diálogos inteligentes, e acabaram recorrendo ao sexo explícito e à nudez frontal de seu elenco.
O fato é que o filme, ao longo de seus 100 minutos, não se acerta. É poluído, pretensioso, prepotente. Uma narração em off, feita por uma criança de dicção bem sofrível, amplia as aflições do público, já que por vezes fala coisas óbvias e, em outros, diz frases poéticas vazias. O elenco até se esforça -- principalmente Paes (Ó Paí, Ó) e Machado (A Sombra do Pai) --, mas de nada adianta. Afinal, seus personagens ficam presos em redemoinhos vazios. A protagonista, principalmente, por conta de sua dupla jornada em alfinetar a burocracia, nativa no Brasil, e os evangélicos. E com boas doses de sexo.
O que ajuda o longa-metragem a não ser uma catástrofe retumbante é o visual, novamente baseado em cores neons, e a atuação precisa de Emílio de Mello (Psi) como um pastor de drive thru. Seu personagem é a síntese do que o filme poderia ter sido, mas não foi. É intenso, beira a caricatura, mas acaba recaindo em cenas fortes, bem construídas e impactantes. Se tivesse mais personagens assim, e mais momentos feitos com inteligência, Divino Amor poderia ter ido mais de acordo com o que prometeu.
A última cena, aliás, parece que é um sopro de salvação. E cinco minutos, o filme consegue trazer um sentimento conflitante que não conseguiu ao longo de toda a história -- a busca dos evangélicos, quando chega, não é vista; afinal, se o fosse, toda a religião acabaria. A dor de um filme desperdiçado, porém, fica ainda mais aguda.
Assim, pode-se dizer que o filme é apenas decepcionante. Com uma boa ideia e passagem pelo festival de Sundance, Divino Amor parece ficar preso em suas próprias pretensões. Quer chocar muito, criticar tudo e todas, mostrar como é à frente do seu tempo. Mas, no final, esses desejos todos viram um buraco fundo e escuro, no qual a produção se perde. Poderia ter sido mais contundente no seu objetivo, que é claro: criticar os evangélicos radicais e extremistas. A preocupação com a polêmica, talvez, tenha podado o filme. Faltou mais Mascaro aqui. E mais verdade. Só há pretensão.
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