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Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: Perturbador, 'Uma Mulher Alta' é interessante filme russo


Logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, a Rússia se encontra numa situação delicada. O cerco de Leningrado deteriorou o País e fez com que a população tomasse medidas drásticas por conta da fome, da falta de emprego e do colapso social. Nesse cenário se encontram Iya (Viktoria Miroshnichenko) e Masha (Vasilisa Perelygina), duas amigas que precisam enfrentar os efeitos da guerra em suas vidas, totalmente transformadas após acontecimentos trágicos.


Esta é a trama de Uma Mulher Alta, potente e perturbador longa-metragem russo premiado na mostra Um Certo Olhar, em Cannes, e que está dentre os selecionados para concorrer ao Oscar de Filme Internacional -- saindo à frente de A Vida Invisível. Dirigido por Kantemir Balagov (do fraco Tesnota), o filme se aprofunda nos efeitos da guerra sob a visão de duas mulheres, ainda que o foco permaneça a maior parte do tempo em Iya, a real protagonista que dá título ao longa.


Lento, Balagov não permite que Uma Mulher Alta seja claro em suas intenções ou realizações. Afinal, ele quer passar o clima de incerteza e de falta de objetivo dos personagens para além das telonas. Tudo ali parece complicado e tortuoso, apesar da predominância de verde nas paredes, no figurino e na paleta de cores da fotografia. O caos plantado durante a Segunda Guerra Mundial ainda não foi resolvido e parece que o mundo ainda anda com insegurança.


A partir disso, então, o cineasta e roteirista se aprofunda em um drama maternal de Iya e Masha. Como ser mãe numa período como esse? E qual é a importância de se ter um filho?


Essas questões, que transpassam simples questionamentos narrativos, ganham contornos filosóficos e vão se intensificando em cenas ora violentas, ora perturbadoras. Assim como em Loveless e Selfie, dois bons representantes do cinema moderno russo, há um clima depressivo que toma conta. As coisas parecem não avançar, já que não ganham contornos otimistas. A tristeza está impregnada, ainda como a incerteza de como será o amanhã daquela população.

É, em resumo, um filme potente e interessante. Essas questões citadas, além de breves passagens sobre relacionamentos, identidade nacional e sexualidade, tomam conta da narrativa. Interessante notar como o longa-metragem também subverte algumas questões. Ao contrário da maioria dos filmes sobre guerra, a presença masculina é sobrepujada pela feminina. Os homens, aqui, são meros bibelôs. O foco, sem dúvidas, está na força e forma das mulheres.


Vale ressaltar, também, dois bons trabalhos técnicos. A fotografia de Kseniya Sereda (Kislota) está sempre próxima do rosto das protagonistas, como se quisesse entrar em seus íntimos -- mas, é claro, nunca consegue. Além disso, a subversão do uso do verde na paleta de cores chama atenção. Por fim, a edição de som salta aos ouvidos: pequenos sons, como os engasgos de Iya quando fica paralisada, ganham destaque delicado no todo e se enchem de significados.


No entanto, nem tudo são flores. A estreante Viktoria Miroshnichenko não parece estar à altura do desafio de sua personagem. Em alguns momentos, falta potência e o filme se arrasta demais, beirando o insuportável. Já Vasilisa Perelygina está um pouco mais interessante, como uma mulher de objetivos concretos, ainda que perdida na vida. No entanto, ela não tem tanto tempo na tela quanto a "grandona". Dessa maneira, acaba se tornando apenas uma sombra no geral.


O grande problema, porém, transpassa a questão das atuações. Está, na verdade, no excesso de lentidão. Além de ter esses problemas já citados sobre queda de ritmo e de interesse, por estar num limiar muito próximo do intragável, Uma Mulher Alta deixa muita coisa no ar. Muita. Claro: não é preciso didatismo ou obviedades. É um filme russo, de arte, sobre a Segunda Guerra Mundial. Mas deixar algumas coisas mais claras não faz mal. Apenas deixa o ritmo dinâmico.


Uma Mulher Alta é um filme interessante, perturbador, depressivo. Pinçando um período da vida na Rússia, acaba indo além e mostrando coisas que dialogam com os dias atuais. No entanto, não se engane: tem ritmo próprio, com regras cinematográficas próprias, e que pode se tornar insuportável num passe de mágica. Isso é bom, ruim, terrível? Vai de cada um. O fato é que é um filme que fala sobre a Rússia, de ontem e hoje. Algo que, talvez, A Vida Invisível tenha falhado.

 
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