Logo na primeira cena de Perdi Meu Corpo, o espectador se depara com uma pessoa com a mão decepada. Há sangue para todo lado e uma mosca ronda o membro perdido. É a partir disso que o cineasta Jérémy Clapin, estreante em longas, começa a contar a história daquele rapaz sem mão -- desde a infância, passando por momentos complicados da vida e chegando até a jornada da própria mão, separada do seu corpo.
O longa-metragem, assim, não é uma animação convencional. Separada em três tempos, a narrativa se amontoa e mostra as suas interessantes ramificações. Cada uma delas evocando emoções diferentes: na vida adulta do rapaz, há romance e drama; com a mão procurando seu corpo, uma interessante aventura; e na infância, uma nostalgia em preto e branco que exibe o protagonista, Naoufel, em sua melhor forma até ali.
Premiado em Cannes, Perdi Meu Corpo segue a linha de animações como Anomalisa, Chico & Rita, Waking Life. Os traços do desenho não são a principal preocupação. O que vale é a história, que consegue transcender a tela e atingir o espectador de maneira direta e introspectiva. A trama de Naoufel, afinal, é o retrato da vida adulta, de quem chega ao mundo sem ter caminhos e sem qualquer tipo de ajuda.
O mais interessante do filme, porém, é a mistura de emoções. Como destacado anteriormente, as três ramificações da história geram diferentes sensações. O romance de Naoufel com Gabrielle, nascido de uma conversa pelo interfone, é improvável e delicioso. As aventuras da "mãozinha" abraçam o surrealismo e empolgam. O drama do protagonista, assim como suas memórias, despertam o lado humano e sentimental.
Tudo isso, surpreendentemente, chega ao espectador com evidente naturalidade. Nada é atropelado, nada aparece na trama de supetão -- até o humor que surge aqui e ali.
A dublagem em francês traz um charme e os atores compreendem bem seus papéis. O estreante Hakim Faris e Victoire Du Bois (Me Chame Pelo Seu Nome) fazem trabalhos interessantes como Naoufel e Gabrielle, respectivamente. Destaque, também, para o veterano e talentoso Patrick d'Assumçao (Um Estranho no Lago, Normandie Nua). Ele aparece pouco como tio Gigi, mas ajuda a injetar força e vitalidade ao longa-metragem.
Uma pena, porém, que o final seja tão anticlimático. Depois de uma série de bons momentos, e de uma metáfora bem encaixada, Perdi Meu Corpo acaba caindo numa conclusão óbvia e sem muito charme -- além de não deixar claro algumas coisas. Falta experiência para Clapin fazer um encerramento digno do restante do longa-metragem. O anticlímax, infelizmente, acaba derrubando as sensações e emoções entregues.
Mas, vale ressaltar, esta sensível animação da Netflix é uma surpresa grata. Bem realizada, apesar da simplicidade dos traços, Perdi Meu Corpo traz uma história singela, elegante e muito original. Que mais filmes assim cheguem ao serviço de streaming. Afinal, o mundo está precisando de mais emoção como a provocada neste longa.
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