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Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: 'Papicha' é filme de resistência no coração da Argélia


No cinema, já foi possível ver pessoas resistindo às mais diversas barbáries por conta de injustiças sociais ou governos tiranos. No Brasil, Kleber Mendonça Filho fez da resistência o seu grito de guerra em filmes como Aquarius e Bacurau -- onde se resiste, por exemplo, por meio da música, da gastronomia, do lugar de fala. O coreano Bong Joon Ho também tem mostrado formas de resistência, seja pelo humor ou violência.

Agora, a cineasta estreante Mounia Meddour faz com que sua protagonista resista ao terrorismo na Argélia por meio da moda. Em Papicha, Nedjma (Lyna Khoudri) é uma garota feminista, que reafirma suas posições o tempo todo e deixa suas ideias transbordarem. No entanto, as coisas começam a complicar quando terroristas passam a tomar conta do País e a adolescente precisa encontrar meios de se reafirmar.

E o meio de fazer isso é pela moda. Fã de costura e design, a garota busca meios de empoderar colegas de escola ao mesmo tempo que bate de frente com os criminoso.

E assim, por meio da resistência de seu discurso com o sofrimento constante que a cerca, Nedjma vai tocando sua vida. Meddour surpreende com um drama intenso, cheio de reviravoltas de tirar o fôlego e uma simbologia desconcertante. Afinal, mais do que contar a história de uma garota no meio de uma Argélia tomada por terroristas, a diretora e roteirista fala sobre histórias humanas e um lado não visto dos muçulmanos.

Muito se pensa, por exemplo, que os extremistas são comuns em países muçulmanos. Do alto do preconceito e de opiniões pré-formadas, espectadores do ocidente pensam que as pessoas que resistem, e reafirmam suas posições como seres independentes e pensantes, são minoria. Mas o que se vê em Papicha são pessoas comuns, sem extremismos, que levam suas vidas e sofrem com pessoas não-pensantes ao redor.

O machismo, o patriarcado e a hierarquia das pessoas por conta de gênero são assuntos que permeiam todo o longa-metragem sem nunca ter essas palavras citadas -- nem mesmo conceitos são explanados. Até mesmo a palavra "terrorismo" não é citada, apesar de não haver duvidas do que acontece ali. São coisas inteligentes de roteiro, que não recai em didatismo ou obviedades. A trama e o contexto se revelam aos poucos.

No entanto, algumas coisas se revelam lentamente demais. Por mais que Lyna Khoudri (Luna) seja um acontecimento em termos interpretativos, muito de sua história é prejudicada por conta do roteiro. Muitas coisas demoram a clarear e algumas outras não são explicadas mesmo depois dos 106 minutos de projeção. Não é preciso didatismo nem nada do tipo. Apenas um roteiro que deixe as coisas mais claras.

Por fim, vale ressaltar que, mesmo com esses erros, Papicha é um filme poderoso. A mensagem por trás, as cenas de violência inesperadas -- como no brilhante filme Amanda, lançado recentemente no Brasil. São coisas que ajudam a compôr uma narrativa memorável e que mostra a realidade de um País sem ser piegas. É incômodo, é forte, é potente. Quase uma pancada. E que fica na cabeça por um longo, longo tempo.

(*) Filme visto durante a cobertura da 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

 

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