Domingos Montagner morreu repentinamente, em 2016, enquanto gravava a novela Velho Chico. Pegou todos de surpresa -- incluindo Fernando Sampaio, parceiro de circo de Montagner. De uma hora pra outra, o palhaço ficou sem chão. Para reverter isso, Sampaio começou a montar uma adaptação da ópera Pagliacci, indo aos palcos pela primeira vez sem Montagner. Este processo é o que norteia o documentário homônimo que chega aos cinemas nesta quinta, 26, com direção de Chico Gomes, Julio Hey, Luiza Villaça, Luiz Villaça e Pedro Moscalcoff.
A premissa de Pagliacci é básica, bebendo de conceitos de documentários poéticos e observativos e acompanhando a rotina de Fernando enquanto ele prepara o elenco e finaliza os principais aspectos da produção teatral. No entanto, o desenvolvimento é bem mais elegante e complexo. O quinteto de diretores apenas se valeu de aspectos básicos e expandiu seus limites e possibilidades. Em Pagliacci, não há apenas a rotina de Fernando. Há questões filosóficas que rondam a profissão do palhaço há décadas, há ópera, há fortes provocações.
Ou seja: é um filme que, mesmo com apenas 80 minutos de duração, não fica na zona da conforto e não permite que o espectador entre nela. Quando a condução da história começa a ficar morna, são inseridos trechos da montagem teatral. Depois, há cenas de grande emoção com palhaços aposentados e que foram mestres de Fernando e Domingos -- como o histórico palhaço Picolino, vivido pelo inexorável Roger Avanzi. E não para. É uma montagem ágil e inteligente, que vai levando e trazendo o longa-metragem para áreas pouco óbvias.
A questão de saber "o que é ser palhaço?" também é levantada e conduzida de maneira bem elegante por seus realizadores. É ela que se torna a linha condutora da produção, tomando o lugar de Fernando Sampaio como protagonista e engrandecendo Pagliacci -- e não que o palhaço em questão seja um figura menos interessante, mas a indagação sobre a milenar profissão acaba tornando o documentário atemporal. São decisões inteligentes por parte de roteiro e direção.
O grande ponto do filme, porém, é a forma que é tratada a questão da morte de Domingos Montagner. É trágica, sem dúvidas. Mas a direção não deixa o fato transparecer em seu conteúdo de maneira direta. É um assunto que ronda cada depoimento, cada frame, cada ângulo filmado. Mas que só faz com que a homenagem à Montagner se intensifique e deixe tudo mais interessante. No final, por exemplo, há um arquivo recuperado que torna quase impossível a tarefa de segurar as lágrimas.
O documentário só comete um erro quando, nos vinte minutos finais, decide ampliar as questões e mostrar outros circos. Não fica claro se foi mostrado por conta da participação de Fernando ou, então, se os diretores quiseram ampliar o foco do documentário. Mas fica estranho e quebra um pouco o ritmo, tornando injustificada a inserção tão tardia de um elemento até então estranho à narrativa.
Ainda assim, Pagliacci é um exemplo de ótimo documentário brasileiro e que traz à tona questões importantes inerentes ao circo brasileiro. É uma discussão que precisa ser tratada com urgência e este documentário, de maneira talentosa e bem conduzida, consegue trazer à tona. Merece ser visto.
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