Apesar de Parasita estar anos-luz à frente de qualquer outro atual competidor, está bom de acompanhar a briga de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar 2020. Agora, um dos títulos que está disputando bravamente uma indicação é o francês Os Miseráveis, que teve uma passagem elogiosa em Cannes 2019 e chega com força redobrada para competir por uma vaga no prêmio.
Ao contrário do que muitos pensam, este longa-metragem de Ladj Ly não tem nada a ver com o musical e nem é um adaptação fiel da obra de Victor Hugo. Aqui, na verdade, conta-se a história de variados grupos vivendo em Paris com foco num trio de policiais (Alexis Manenti, Damien Bonnard e Djibril Zonga) que precisam solucionar o caso de um leão desaparecido de um circo.
A partir disso, Ly traça um panorama crítica e geral sobre a situação social que a França vive hoje. Marcando uma estreia impressionante do diretor em longas, ele constrói as personalidades dos policiais com calma e tranquilidade, permitindo que o espectador entenda o que está sendo armado ali. O povo pobre, preto e marginalizado vai crescendo aos poucos.
Dessa maneira, a apoteose narrativa de Os Miseráveis acontece quando todos esses grupos sociais delimitados por Ladj Ly se encontram num embate final -- que tem um ar revolucionário visto em vários filmes durante o ano, como Coringa, Bacurau e o próprio Parasita. É difícil o público não sair empolgado com os últimos 15 minutos do longa, que atingem uma apoteose.
O trio Alexis Manenti (Minha Culpa), Damien Bonnard (Dunkirk) e Djibril Zonga (C'est tout pour moi) também se sai bem, com personagens complexos e que precisam evocar diferentes sentimentos ao longo do filme. Os coadjuvantes, principalmente os estreante Issa Perica e Al-Hassan Ly, chamam a atenção e ajudam a balancear as emoções sentidas ao longo do filme.
No entanto, há de se destacar que um filme não se faz apenas pelo seu final. E Os Miseráveis, infelizmente, demora a engrenar. A construção do cineasta, apesar de bem feita, é lenta e possui algumas gorduras -- como a história de embate entre ciganos e a própria história de um tal de "prefeito" local. Ambas as coisas poderia ser reduzidas ou retiradas sem problema algum.
O que mais incomoda, porém, é a aparente dificuldade do diretor em apontar dedos. Ao contrário do que Bacurau fez com os estrangeiros ou Parasita com a elite, Os Miseráveis parece que tem receio de colocar os policiais como culpados -- uma cena deles com a família é estranha à narrativa, por exemplo. Assim, com tudo isso junto, o filme acaba perdendo força considerável.
Dessa maneira, Os Miseráveis é um bom filme, mas que fica abaixo de seus outros competidores -- e de Bacurau, longa-metragem similar de temática e que merecia ter sido o indicado do Brasil ao Oscar. Falta uma trama mais coesa e uma maior coragem do diretor para ser, de fato, o Spike Lee francês. No entanto, não dá pra falar que é uma estreia ruim. Ladj Ly é um diretor de futuro.
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