João Gilberto. Dono de uma personalidade de difícil compreensão, o músico foi uma das principais mentes por trás da Bossa Nova, que deu ao Brasil canções como Garota de Ipanema, Corcovado e Chega de Saudade. Ainda que grande parte das composições do gênero tenha vindo de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, foi a voz e o violão de João que deram o tom do movimento e mostraram ao mundo a genuína forma da música popular brasileira.
No entanto, João se fechou. Fechou-se para o mundo, para a música, para a imprensa e de si mesmo. Há anos vive recluso num quarto de hotel, sem dar entrevistas e sem receber pessoas -- ele nem ao menos fala com o entregador de comida, que recebe o dinheiro pelo vão da porta. Essa reclusão já inspirou, em 2011, um jornalista alemão, Marc Fisher, a vir ao País para investigar o sumiço de João, resultando no ótimo livro Ho-ba-la-lá.
Agora, é a vez do documentarista suíço Georges Gachot sair em busca de João. Diretor do bom O Samba, o cineasta usa a base do livro de Marc Fisher -- que se suicidou pouco antes da publicação do livro -- e, praticamente, refaz os passos do jornalista para tentar manter algum contato com o músico. É um trabalho que honra o que já foi feito anteriormente, usando até trechos inteiros do que foi escrito por Fisher, mas com um aspecto muito próprio empregado por Gachot. É mais do que uma adaptação de mídias.
Para isso, ele cria uma narrativa complexa. Ainda que siga uma jornada bem lógica e bem explicitada em tela, a trama é uma costura dentre o que Fisher viveu e o que Gachot está produzindo. Leituras de trechos, com imagens do Rio sombreado e com as janelas pontuando o cenário, se alternam com algumas boas entrevistas com grandes nomes da música -- João Donato, Marcos Valle, Roberto Menescal e Miúcha, também ex-esposa de João Gilberto, são alguns dos nomes ouvidos durante a jornada audiovisual.
Essa costura acaba cansando um pouco, já que se torna exaustiva e, ás vezes, repetitiva. No entanto, os frutos colhidos por Gachot -- que também conseguiu emplacar uma fotografia maravilhosa durante toda a produção -- se sobressaem e fica evidente a importância histórica daquele produto. A única coisa que atrapalha um pouco é a grave dificuldade do cineasta em se comunicar com alguns dos entrevistados. A conversa com João Donato é totalmente sem pé, nem cabeça. Ninguém se entender, mas todo mundo dá risada.
Outro ponto que atrapalha o andamento do documentário -- e que também acontece com o livro de Fisher -- é uma irritação natural, crescente e genuína. Por mais que João deva ter seus motivos para se isolar, é difícil não sentir certa irritação e nervosismo com tamanha necessidade de escapar da vida, das pessoas. É um niilismo real e que não causa simpatia. Difícil entender o que custa atender um telefonema por alguns poucos minutos ou, ainda, enviar uma carta. Qualquer coisa. Não dá pra comprar toda a situação.
Mas, sem dúvidas, Onde Está Você, João Gilberto? passa por cima disso tudo e se prova como um bom e importante documento sobre a música popular brasileira e seus integrantes. Por mais que cause irritação e se faça um pouco confuso nas entrevistas, é bem feito, bem dirigido, bem fotografado e muito bem produzido. Sem falar no roteiro, inteligente e extremamente honesto com o material produzido antes por Fisher. Bom para fãs da boa música brasileira.
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