O mundo está entrando num momento de grave crise hídrica. E não, não estou falando da que São Paulo viveu há alguns anos, quando o nível do reservatório baixou após uma fraca temporada de chuvas. É, na verdade, uma crise hídrica profunda, que pode ser irreversível, e que deve tornar a água o bem mais precioso do planeta ainda na primeira metade do século XXI. No entanto, apesar de ainda não ser a realidade da maioria das pessoas, há lugares que começam a lidar com primeiros sinais de uma profunda seca.
O documentário O Verde Está do Outro Lado, do cineasta Daniel A. Rubio busca retratar duas localidades que já lidam com esse impacto: o Chile e parte do Brasil. Por meio de entrevistas, extensos textos que vão aparecendo na tela e informações que surgem dos congressos brasileiro e chileno, o filme se aprofunda nessa crise e em como algumas ações tomadas em solo nacional acabam interferindo na vida de pessoas que estão do outro lado do continente sul-americano. É uma boa e didática construção da realidade.
Além disso, Rubio se preocupa em mostrar como as políticas avançam em relação à água. No Brasil, a tentativa do governo em privatizar a distribuição de água e o saneamento. No Chile, uma constituição obscura que não deixa claro o papel da água.
São discussões e reflexões importantes trazidas por O Verde Está do Outro Lado. Em um diálogo quase direto com um outro documentário brasileiro, o sensacional Ser Tão Velho Cerrado, o filme vai se aprofundando no tema e mostrando todos seus perigos, meandros, problemas. As entrevistas são diversas e ajudam a pintar melhor todo esse cenário -- indo desde deputados, passando por pequenos agricultores e indo até ambientalistas. Ao final de seus 77 minutos, fica clara a constituição desse risco global.
No entanto, há de se destacar, o documentário parece ter um orçamento baixíssimo e que chega a prejudicar a produção. Não há requinte em absolutamente nada. Rubio não mostra ter criatividade na hora de apresentar seus entrevistados, ficando em planos óbvias e sem vida. A quantidade de informação que surge na tela em forma de texto, e que é quase jogada, sem cuidado, também incomoda. Por vezes, lembra aqueles vídeos feitos por alunos sobre aquecimento global e coisas do tipo. Falta muito refinamento.
Dessa maneira, O Verde Está do Outro Lado é um filme importante, com discussões atuais e necessárias, mas que acaba perdendo muito do seu brilho por falta de cuidado, de finalização, de refinamento. Nem mesmo a edição, que poderia dar um ar mais gracioso ao filme, ajuda. São blocos e mais blocos que se amontoam, sem qualquer tipo de inserção criativa. É um documentário, assim, absolutamente burocrático. O próprio Ser Tão Velho Cerrado, por exemplo, vai muito além no apuro estético, narrativo.
Em resumo, é um filme necessário, mas que causa até certo constrangimento ao final. Talvez seja melhor assistir Ser Tão Velho Cerrado, que passa uma mensagem bem similar -- por mais que os dois longas, de certa maneira, dialoguem, já que O Verde Está do Outro Lado se aprofunda na privatização hídrica. É uma pena, então, que Rubio não tenha ido além. Um pouco de criatividade poderia ter posto o filme em outro patamar.
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