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Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: ‘O Mecanismo’ é série estranha com graves problemas de narrativa


O Brasil vive um caldeirão de acontecimentos políticos intensos nos últimos anos. E claro, isso acaba gerando interesse na criação de produtos ficcionais para falar sobre isso tudo. Começou com o bom Real: O Plano por trás da Moeda, que ganhou uma série de críticas e reclamações infundadas. Depois veio Polícia Federal: A Lei é pra Todos, que parecia ser o pior da safra. Mas aí chega o complicado O Mecanismo, produção original e brasileira da Netflix.

Para quem está numa bolha nos últimos dias, O Mecanismo ficcionaliza os bastidores da Operação Lava Jato, mostrando as investigações da Polícia Federal e como elas afetam políticos e empresários. Na condução da série, José Padilha. Ele chamou a atenção com Tropa de Elite e depois ficou à frente de Narcos e do remake de Robocop -- este último é péssimo, aliás.

Assim, em tese, O Mecanismo tinha grandes chances de ser muito bom: Padilha tem mais acertos do que erros em seu currículo, a Netflix conta com bom histórico com suas séries originais e a história, convenhamos, é muito boa -- como Padilha disse quando a anunciou, mais realista que House of Cards. Só que, infelizmente, o resultado final não é tão positivo quanto poderia.

Os problemas começam na concepção. José Padilha anunciou a série lá em 2016, após o sucesso de Narcos, na qual ele também é o criador, e nem tinha uma produtora -- não é à toa que ele até cogitou crowdfunding. Só que aí as coisas começaram a correr e a série se desenrolou muito rapidamente. O processo de escrita foi corrido. E essa pressa para criar acaba sendo refletida no resultado final, apresentando uma produção confusa, estranha e cheia de problemas.

O primeiro problema está na ideia geral da série. Padilha tinha se vangloriado de que ia contar uma história mais real do que House of Cards, mas ficou com medo de colocar os nomes reais na tela. Isso -- num efeito contrário ao de A Lei é para Todos, que deixou os personagens caricatos -- acaba criando personagens híbridos e que só causam confusão, estranhamento. E pior: ele pensou que mudando os nomes, teria liberdade para misturar falas e fatos históricos. Mas não dá certo. Colocara a fala de Jucá na boca do Lula só gera confusão.

O melhor, então, seria criar uma verdadeira ficção -- inteligente, nível de Glauber Rocha e afins -- na qual são criados personagens diferentes, impossíveis de associar à realidade e apenas de acordo com a imaginação de cada um. Desse jeito que ficou, só é possível ver o medo do processo e um punhado de personagens que ganharam apelidos bem toscos. Um ou outro causa até vergonha, como a Dilma que vira Janete. Faltou uma melhor criatividade por parte de Padilha.

Outro problema originário dessa correria pra escrever: a série não tem uma unidade em seus oito episódios. Desde as coisas pequenas (como personagem Mago que passa a ser chamado de Bruxo), passando por outras um pouco mais significativas (como a mudança das atitudes de personagens) e chegando até coisas mais graves, como a tentativa de um plot twist patético envolvendo o personagem de Selton Mello -- que, aliás, está muito mal dirigido, ficando impossível entender o que ele diz. E pior: na maioria dos episódios, ele é narrador!

E essa corrosão narrativa vai atingindo graus mais elevados conforme a narrativa avança: clichês básicos e desnecessários; cenas de sexo aleatórias só pra chamar audiência; e um mote que é repetido a exaustão (do câncer que afeta o país, etc), que parece reciclagem do que foi dito em Tropa de Elite 2. Faltou delicadeza na forma de introduzir essa mensagem, que também está no título.

Ponto mais que negativo, então, para a roteirista geral da série, Elena Soarez (Xingu). Melhor ficar longe de outros trabalhos dela.

Mas é leviano quem diz que a série só tem problemas. O roteiro é muito problemático, como dissecamos acima, mas há pontos positivos na produção: a direção, dividida entre o Padilha, Daniel Rezende (do ótimo Bingo), Marcos Prado (do fraco Paraísos Artificiais) e do estreante Felipe Prado é boa. Há cenas realmente bem dirigidas, fotografadas e com inteligência nas situações -- Lula Carvalho, aliás, se mostra novamente como um dos melhores diretores de fotografia dos últimos tempos no Brasil.

Mas nada disso adianta. O Mecanismo é natimorto por conta de sua ideia: queria ser um bom relato histórico sobre a Lava Jato na TV, mas acabou ficando no perigoso e estranho limite entre a realidade e a ficção. Padilha não teve coragem de assumir nenhum desses dois lados e, infelizmente, a produção acaba sendo inferior às outras duas produções deste período. Uma pena: tinha elenco, direção e potencial. Só faltou tempo, novamente, para maturar a ideia.

E desta vez, infelizmente, nem há uma esperança com uma segunda temporada. Agora, é esperar a próxima produção sobre a política brasileira. Dessa vez, não deu.

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