Filmes de máfia, geralmente, acabam focando muito na violência, nas mortes e na relação quase familiar que é constituída entre os integrantes -- até mesmo O Poderoso Chefão, clássico de Francis Ford Coppola, tem sua trama mais voltada aos detalhes do funcionamento de uma organização mafiosa do que nos mafiosos em si. E O Irlandês, novo filme de Martin Scorsese, reverte a fórmula e coloca pessoas no centro da trama.
No caso, uma pessoa. É Frank Sheeran (Robert De Niro), um veterano de guerra que, aos poucos, começa a conciliar sua vida de caminhoneiro com assassino de aluguel, fazendo pequenos trabalhos para a máfia por intermédio de Russ Bufalino (Joe Pesci). E os trabalhos de Frank evoluem tanto que, em determinado momento, ele se torna o homem de confiança de um dos mandachuvas: o líder sindical Jimmy Hoffa (Al Pacino).
Com três horas e meia de duração, O Irlandês é um filme duro, complexo. Sua primeira metade, principalmente, é difícil de ser desbravada. Scorsese (O Lobo de Wall Street), com roteiro de Steven Zaillian (Gangues de Nova York e A Lista de Schindler), faz malabarismo visual e cênico para conter a temporalidade dessa história e deixar tudo o mais claro possível para o espectador. Há, aqui, o ontem, o hoje e a amanhã da máfia.
Assim, essa primeira hora e meia é, basicamente, utilizada para mostrar a ascensão de Frank, a relação que ele trava com Hoffa e a forma como ele se insere dentro da organização mafiosa. Ou seja: é realizado, aqui, o arroz com feijão dos filmes do gênero. É depois disso que o longa-metragem começa a apresentar mais detalhes sobre vínculos, amizades e sobre a personalidade de Frank como pai, marido, amigo e pessoa.
A partir daí, De Niro (Coringa) dá um show. O ator, como não se via desde Cassino, entra no personagem e compreende a complexidade que precisa levar para a tela. Seu Frank Sheeran é cheio de camadas, sem nunca se revelar completamente ao espectador. Vai ser páreo duro na briga pelo Oscar de Melhor Ator com Joaquin Phoenix por Coringa. O que De Niro faz aqui, sem dúvidas, é algo marcante para a história geral do cinema.
Há, ainda, a excelente atuação de Al Pacino, mal aproveitado desde Insônia, que consegue fazer um Hoffa muito superior ao apresentado por Jack Nicholson no insosso filme de Danny DeVito. É intenso, é intimidador, é político. Tudo que precisava ser. Além disso, destaque para Joe Pesci (Os Bons Companheiros), que andava sumido das telonas, e entrega um personagem misterioso, mas que se revela como bom amigo.
Assim, depois da primeira metade do longa-metragem, que é levemente arrastada e confusa, descortina-se um filme repleto de sentimentos, boas intenções e um Scorsese afiado. Planos inteligentes, aproveitamento de personagens, situações complicadas que vão se revelando aos poucos. A forma como as coisas acontecem na vida do protagonista é melancólica, verdadeira, natural. Interessante forma de abordar a máfia.
Pena, porém, que em momento algum haja um clímax, algum momento realmente marcante. Por mais que o final seja emblemático, muito por conta da atuação de De Niro, há um linearidade na narrativa que poderia ser evitada -- e que acaba lembrando Silêncio, filme mais recente de Scorsese. Mesmo não sendo o foco deste novo filme, valeria a pena sair da introspecção e encontrar algo mais fora da caixa.
Parece, aliás, que De Niro e Al Pacino esperam este tal momento o tempo todo, ao longo dos 210 minutos de duração do longuíssima-metragem. Falta a catarse, o estouro -- algo que Leonardo Di Caprio, por exemplo, teve de sobra em O Lobo de Wall Street.
Ainda assim, não dá pra dizer que O Irlandês não é um filmaço. Com Scorsese, Al Pacino, Robert de Niro e Joe Pesci inspirados, afinal, não tinha como ser diferente. Um roteiro mais impactante poderia gerar algo mais marcante, mais memorável -- e um pouquinho mais curto. No entanto, é resultado final é mais do que positivo. Um longa épico que, ao invés da grandiosidade, foca na complexidade das pessoas. Filmaço.
Gostei da crítica: objetiva, enxuta, clara. Obrigada.