Apesar de ser pouco conhecida no Brasil, a norte-americana Rachel Dolezal se transformou naquelas subcelebridades que, após uma polêmica, passou a perpetuar sua imagem nos noticiários e programas de fofoca. O motivo disso, porém, é mais complexo do que o esperado: Dolezal, que até 2015 era presidente de uma associação de defesa racial, diz ser negra, mesmo tendo cabelos loiros e olhos verdes. É um movimento polêmico chamado de transracionalidade.
E é a vida de Dolezal -- e de seus filhos, indiretamente afetados -- que explora o documentário original da Netflix, O Caso Rachel Dolezal, que chegou ao serviço de streaming na última sexta-feira, 27. Dirigido por Laura Brownson (do ótimo Lemon), a produção mescla entrevistas talking heads, ou cabeças falantes, junto com um bom trabalho de observação da vida e da rotina da norte-americana. Depoimentos ganham forças com cenas banais do cotidiano.
O grande ponto à favor do documentário de Brownson, porém, é a completa ausência de julgamento. Inicialmente, o longa-metragem aparentava usar de um artificio que está se tornando banal -- visto em Sam Davis Jr., no É Tudo Verdade 2018 -- que apresenta uma ideia pré-concebida no início da história e, aos poucos, vai desconstruindo com relatos e histórias. Não aqui. Brownson e o roteirista Jeff Seymann Gilbert (The Glamour & the Squalor vão além.
Assim, ao longo dos mais de 100 minutos, vemos intricadas histórias que se anulam e se mesclam, exigindo que o espectador saia do lugar-comum e pense sobre aquela situação. Dolezal está sendo correta? O que ela deveria fazer? Como fazer? São questões difíceis que a produção joga no colo do espectador, de maneira esperta e muito ágil, para impedir um comodismo.
Destaque para a produção do documentário, que tem um cuidado típico da Netflix nesse tipo de produção. Dá de dez à zero na ficção original do streaming.
Mas nem tudo são flores na produção sobre Rachel Dolezal. Essa tentativa de misturar vários fatos de vários teores e vários formatos acaba atrapalhando em alguns momentos. A vida da norte-americana é confusa por si só e a linguagem empregada pelos roteiristas não facilita o entendimento. Uma confusão entre irmãos e filhos, por exemplo, acaba ficando à margem em certo momento e é preciso voltar alguns minutos do filme para ouvir, de novo, a explicação desse ponto.
Além disso, com cerca de 75 minutos de projeção, O Caso Rachel Dolezal fica maçante demais. As coisas não evoluem e, de certa, maneira ficam cíclicas. Só volta a engrenar quando a norte-americana dá luz ao filho e termina de escrever seu livro. Antes disso, pouco acontece.
Mas pode-se dizer que O Caso Rachel Dolezal, ainda que confuso às vezes e um pouco mais longo do que deveria, é um bom caso a ser retratado pelo serviço de streaming. Complexo, bem tratado por Brownson e contado até suas últimas camadas, é um documentário que pode servir de base para uma discussão que pode estar prestes a bater à porta e ainda não sabemos. Importante de assistir.
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