Ariano Suassuna era um gênio, um daqueles que sabia traduzir o Brasil em histórias, personagens e palavras -- não é à toa que sua peça Auto da Compadecida se tornou um marco na cultura brasileira. Agora, seus causos, histórias e sacadas ganham vida no leve, divertido e despretensioso O Auto da Boa Mentira, filme que chega aos cinemas nesta quinta-feira, 29.
Dirigido por José Eduardo Belmonte (de Se Nada Mais Der Certo e A Concepção), o longa-metragem conta quatro histórias diferentes e que possuem uma única coisa em comum: a mentira. Todas as tramas são inspiradas em falas, palestras e causos contados por Suassuna, que dizia que eram histórias que ele ouvia de suas andanças -- mas com um aumentativo aí.
Na primeira história, lembrando comédias italianas da década de 1960, um funcionário de RH (Leandro Hassum) é confundido com um astro da comédia. Em seguida, uma história regional sobre um rapaz (Renato Góes) que desconfia que um palhaço (Jackson Antunes) é seu pai. Depois, uma sobre uma confusão em um morro carioca. E, pra fechar, mentiras corporativas.
Todas essas pequenas tramas, de alguma forma, nasceram da mente criativa de Suassuna -- a última história, por exemplo, é de uma fala em entrevista no Programa do Jô sobre viagens para a Disney. Dá para sentir Suassuna em cada um desses causos, por mais que sejam mais comentários sociais que tradicionais peças e autos nordestinos e regionais que acostumamos.
Pontos extras para a criatividade dos roteiristas João Falcão, Tatiana Maciel e Célio Porto, que souberam ficcionalizar bem em cima de pequenas ideias de Suassuna. E surpreendente a mão de Belmonte para a comédia, gênero nunca antes explorado pelo cineasta. Soube dosar bem o humor nas histórias, sem perder de vista a força de Suassuna ao contar esses causos.
Só fica aquela sensação final, que acontece na maioria dos filmes episódios: será que era para ser cinema mesmo? Será que não teria sido mais bem aproveitado em uma série antológica? Apesar da mentira costurar as histórias, continua a sensação de que faltou algo mais para juntar esse O Auto da Boa Mentira em um filme mais consolidado, mais certeiro, mais unido.
Do jeito que ficou, acompanhamos quatro histórias muito diferentes em tom e interesse, rendendo comparações imediatas -- a primeira e a terceira histórias são melhores do que a segunda, que é infinitamente melhor do que a derradeira. Se torna um filme pouco coeso. Mas tudo bem. Ainda assim é divertido e faz com que Suassuna continue vivo entre nós.
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