David Fincher é conhecido como um cineasta que gosta de colocar ordem. Repete a gravação de cenas até 50 vezes -- deixa o ator exausto para que comece a entregar as cenas quase como se estivessem vivendo aquilo em um sonho (ou seria pesadelo?). Dá até pra questionar se é um formato saudável de se trabalhar, mas dá resultados -- só ver Clube da Luta, Se7en, Zodíaco e afins. Agora, ele lança um filme que fala justamente sobre ordem e obsessão: O Assassino.
Estreia nos cinemas nesta quinta-feira, 26 de outubro, e depois na Netflix em 10 de novembro, o longa-metragem conta a história de um assassino profissional (Michael Fassbender) que erra. Ele, em uma missão importante em Paris, erra o tira -- ao invés de acertar no alvo, acerta em uma mulher. É aí que começa seu inferno. Ao longo de duas horas de projeção, o personagem sem nome de Fassbender tenta corrigir seu erro e se vingar dos efeitos que esse erro causou.
Ou seja: O Assassino, mais do que falar sobre a rotina de um assassino profissional ou qualquer coisa que valha, fala sobre esse homem precisando voltar ao seu mundo de ordem e organização. O ambiente o provoca: afinal, tudo está fora de ordem e sua esposa (Sophie Charlotte) sofreu as primeiras consequências desse erro. É, enfim, um filme sobre ordem e obsessão: Fassbender faz de tudo para fazer com que as coisas voltem a ser o que são de fato.
O longa-metragem escapa, a todo o momento, daquilo que já vimos em filmes sobre assassinos. Ainda que pareça estar controlando a situação, o protagonista apenas quer manter as aparências. Repare na respiração artificialmente controlada do personagem, a preocupação com o que vai encontrar. Ele finge que está controlando tudo (e realmente tem uma expertise impressionante em vários assuntos), mas há muita coisa que está fora de seu alcance normal.
É uma subversão do que já vimos em O Profissional ou Hitman, por exemplo, em que vemos os personagens controlando a narrativa. Aqui, as coisas exigem que o personagem se mova.
De um lado, a estrutura do roteiro se torna um pouco cansativa: dividida em capítulos, o texto se torna exageradamente episódico, com o personagem resolvendo um problema atrás do outro, quase sem conexão entre eles. Inicialmente, dá até a impressão de que o filme poderia ser uma série de televisão, com as vinganças do personagem se sucedendo uma atrás da outra.
O fato, porém, é que o longa-metragem ganha muito pela direção criativa e ousada de Fincher. Ele não apenas desenvolve um personagem que parece estar sempre à mercê do ambiente, apesar de tentar parecer ter controle de tudo que faz, como também cria uma ambientação que impressiona: o ambiente parece estar sempre fora de ordem, provocando o personagem sem nome de Fassbender, e instigando-o a agir contra o que o perturba. É a ordem contra o caos.
O som de O Assassino, por exemplo, faz parte essencial da experiência – por isso é tão interessante assistir ao longa-metragem no cinema. Com um bom som, você consegue distinguir a respiração do protagonista, que tenta controlá-la a todo o custo, mesmo quando está bastante nervoso. Ou, então, te dá as notas de tensão quando ele entra em uma casa para se vingar e, do nada, um brutamontes chega com passos pesados, que estremecem o ambiente. Essa cena, aliás, já é a melhor cena de luta de 2023, sem sombra de dúvida.
É um filme, enfim, que fala muito sobre obsessão. Obsessão pela perfeição, pelo acerto, pela meticulosidade, pelo acerto. Como será, para Fincher, errar? Mank, ainda que tenha sido indicado ao Oscar, é um filme que dividiu bastante as opiniões – para mim, o grande fracasso da carreira do cineasta. Será que ele sentiu o gostinho de fazer algo que não era o esperado? Se o resultado disso for O Assassino, está mais do que perdoado. O erro do passado gerou um filme belíssimo.
Afinal, se valendo de um tipo de história que já apresentava certo cansaço, David Fincher inovou e criou uma trama que, mesmo episódica, sabe como te deixar tenso – pelos sons do ambiente, pela respiração artificialmente controlada de Fassbender, pelo cenário que oprime e provoca. É cinema em essência, com Fincher fazendo o que sabe fazer de melhor: contando histórias completamente malucas e que, mesmo prezando pela ordem, sabem trazer um pouco de caos para o cinema contemporâneo, cada vez mais chato e quadrado.
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