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Anna Bonoldi e Matheus Mans

Crítica: 'O Amante Duplo' é estranho, mas encaixa na filmografia de Ozon


É incômodo assistir ao novo filme de François Ozon, O Amante Duplo. Diretor francês que bebe da fonte e do estilo de Hitchcock, Brian de Palma, Polanski e Cronenberg, Ozon tem desenvolvido sua própria linguagem cinematográfica ao longo dos anos com filmes que misturam psicologia, thriller e erotismo -- em doses, por vezes, intencionalmente exageradas para causar incômodo e verdadeiras convulsões ideológicas no público que o assiste.

Com O Amante Duplo, isso não é diferente. Há o suspense social e claustrofóbico de Dentro da Casa; o erotismo exacerbado de Jovem e Bela e Gotas d'Água Sobre Pedras Escaldantes; e os elementos ácidos sobre a psicologia de seus personagens, já vistos no excelente Uma Nova Amiga e, até mesmo, no recente e poético Frantz. É uma filmografia que, ainda que se mostre híbrida em estilos, tem ganho cada vez mais forma e força.

Na história de O Amante Duplo, que estreia nos cinemas nesta quinta-feira, 21, conhecemos Chloé (Marine Vacth), uma jovem de 25 anos que sofre forte dores abdominais sem explicações médicas. Após ser indicada à Paul Meyer (Jérémie Renier), psiquiatra e psicanalista, Chloé parece somatizar seus problemas psíquicos e reprimidos -- histeria, segundo teorias de Freud -- e por isso, segue fielmente com as sessões.

No entanto, ambos se apaixonam, e por isso decidem interromper o tratamento e seguir com o romance, iniciando um relacionamento amoroso e saudável, de início. Com o tempo, porém, a protagonista acaba descobrindo que seu amante esconde dela segredos sombrios. Dentre eles, um irmão gêmeo idêntico também psiquiatra, mas de linha comportamental (também interpretado por Jérémie Renier) de personalidade completamente oposta à de seu par: arrogante, presunçoso e que a maltrata – mas que ao mesmo tempo, nutre um desejo colérico e carnal pela personagem, que, por sua vez, passa a se relacionar com essas duas figuras completamente discordantes.

Logo no início do filme, Ozon já mostra ao que veio: a câmera realiza um enquadramento realista -- e. por isso, extremamente acurado -- da vulva da personagem principal. Aliás: ele se inicia no colo do útero da protagonista e segue pelo canal vaginal até enquadrar perfeitamente a vagina dela. Se essa descrição te incomoda, aqui vai um alerta de que esse filme não é para você. Cenas de sexo explícito e violento, forte do diretor francês, também estão presentes no filme e conseguem ser muito bem representadas por conta de seus detalhes minuciosos e cortes de cena ideais.

Temos aqui, então, um filme agressivo, um tanto extravagante e bastante desconfortável. Com um dos roteiros mais oníricos e delirantes de Ozon, a história se apoia totalmente na capacidade de Vacth (do próprio Jovem e Bela) de dar complexidade à sua personagem e ao ambiente composto de Ozon, que apela para o clichê das cenas filmadas em espelhos para dar apuro visual ao filme. É uma trama de personagem com fiapo de historia.

E assim, o longa procura impressionar pelo absurdo: principalmente quando nos deparamos com um enredo descomedido– o que dificulta que consigamos levar ele a sério em alguns momentos. Também, o trabalho com a ideia de “duplicidade” é forte, e guia toda a trama; desperta certa curiosidade, sim, mas no fim, não convence. Ademais, há, no enredo, um profundo e extenso trabalho com os problemas psíquicos e desejos reprimidos dos personagens, mas que são expostos de maneira grotesca, irreal e desconcertante.

O Amante Duplo não é filme fácil, tanto por seu exagero em alguns aspectos, quanto por se ancorar totalmente em conceitos da psicologia e da psicanálise de não tão fácil absorção por parte do grande público. Sem dúvidas, é um filme que será encarado de forma muito individual e pessoal. Alguns vão amar, outros, odiar. Alguns vão se empolgar com a história, outros ficarão incomodados e com nojo. É natural. E é uma mostra de como Ozon está num caminho cada vez mais acertado e original de fazer cinema.

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