Ao longo dos 70 primeiros minutos de Entardecer, quase nada acontece. A câmera do diretor húngaro László Nemes segue a mesma receita de seu outro filme, o claustrofóbico O Filho de Saul: câmera na nuca e no rosto do protagonista, dando pouca vazão ao que ocorre ao redor. Aqui, no caso, a protagonista. É Írisz Leiter (Juli Jakab), uma jovem mulher que decide voltar à Budapeste, sua cidade-natal, após anos morando num orfanato. O objetivo é descobrir ao certo o que aconteceu com seus familiares.
Assim, esta primeira hora inicial é um tormento -- como Nemes certamente gostaria que fosse. Como dito, quase nada acontece. A câmera, e a história, acompanha a protagonista pra lá e pra cá sem rumo, sem saber direito o que está acontecendo. Ela, afinal, também não sabe de nada, vai descobrindo aos poucos. O problema no filme, assim, reside no fato de que essa canseira surte efeito. Aos 70 minutos, quado ocorre a primeira reviravolta, o espectador já está embriagado com o marasmo sonolento até ali.
Nemes, em O Filho de Saul, acertou grandiosamente ao trazer o clima desesperador de campos de concentração nazistas para a tela do cinema. Ao longo de duas horas, ele recria aquele ambiente desesperador que os judeus viveram durante a Segunda Guerra Mundial. Já em Entardecer, o clima é a incerteza da personagem e nada mais. Quando a história começa a fazer sentido, quase não há mais interesse no que é contado. São muitos desvios, muitas incertezas. Além da excessiva repetição de cenas a esmo por ali.
A atriz Juli Jakab (também de O Filho de Saul) é boa -- se não fosse, o filme seria uma catástrofe. Afinal, Nemes concentra todos seus esforços nela. A câmera é usada pra enaltecer sua atuação. E funciona em partes. Afinal, ela está longe de ter qualquer magnetismo na tela. Se ela fosse um pouco mais energética, um pouco mais emotiva, o filme poderia se tornar menos sonolento. Esse marasmo, de certa maneira, poderia ser revertido. Mas ela embarca tanto na história que acaba, de algum jeito, sendo ruim.
Tecnicamente, porém, pode-se dizer que o filme atinge um patamar raro no cinema contemporâneo. O design da época é impecável, com belas roupas e cenários -- ainda que este não seja o foco principal do diretor, que desfoca quase tudo ao redor da protagonista. A fotografia, que traz tons amarelados e alaranjados, realça as situações e o clima de incerteza, variando em momentos certeiros. Assim como em Os Filhos de Saul, esse aspecto é estonteante. Ponto pra Mátyás Erdély, fotógrafo de ambos filmes.
Nos 40 minutos finais do longa, que possui mais de duas horas e vinte minutos, a coisa vai melhorando. Peças do quebra-cabeça vão encaixando, a história vai tomando jeito e o ânimo melhora -- afinal, não é mais um amontoado de situações desconexas da protagonista. No entanto, impossível não surgir uma dúvida quando os créditos sobem ao final: precisava de tanto? Precisava de tanta morosidade para começar o filme? Precisava ser tão longo? É demais, muito exagero. Menos, aqui, geraria um filme melhor.
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