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Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: 'No Coração do Mundo' mostra a vida na periferia mineira


Na periferia de Contagem, Marcos (Leo Pyrata) busca uma saída para sua rotina de bicos e pequenos delitos. Afinal, ele está apaixonado por uma moça da região e sua mãe, trabalhadora, não quer mais ver o filho andando pra lá e pra cá sem ter algo certo em sua vida. E ele vê, enfim, uma luz no fim do túnel quando a amiga Selma (Grace Passô) vai pra cidade com a finalidade de cometer um roubo. É coisa grande, mas o risco aparenta ser pequeno. É a chance, assim, que Marcos vê de mudar totalmente de vida.

Esta é a trama de No Coração do Mundo, novo filme da dupla de diretores Gabriel Martins e Maurílio Martins (Estado de Sítio). Ao contrário do que parece a sinopse em um primeiro momento, porém, o longa-metragem não se ancora numa trama de assalto ou coisa do tipo. Há, sim, um roubo que circunda toda a trama, mas vai muito além disso. Como é de praxe nos longas da produtora Filmes de Plástico, que acabou de lançar o ótimo Temporada, há um aspecto social forte envolvido em tudo que é falado.

Por exemplo: Gabriel e Maurílio mostram o real cotidiano da periferia mineira. Vão além do roubo e da criminalidade. Na edição, entre uma cena e outra, inserem trechos do dia a dia de quem mora por ali. É a garotinha brincando com o jabuti no quintal, a moça cuidadora de um senhor que não sai da cama, a MC que busca uma vida de sucesso fora dali. Isso sem falar de outras histórias com mais tempo em tela, como o jovem cobradora de ônibus ou o comerciante preocupado com o futuro de seu irmão caçula.

Isso, em conjunto com toda a história de Marcos e Selma, amplifica a força e o significado de No Coração do Mundo. Evita, principalmente, que o longa-metragem caia em um clichê qualquer de bandido e ladrão. Aqui, há profundidade de personagens e não há vilanização ou vitimização completa de quem aparece na telona. A compreensão dos atos e das decisões de cada um dos personagens parte de cada um. É particular.

Vale destacar, também, a boa atuação da dupla de protagonistas Leo Pyrata (Os Incontestáveis) e Grace Passô (Praça Paris). Ele mostra uma complexidade que ainda não tinha sido vista em sua carreira nos cinemas. Seu personagem é dúbio, com camadas, e desperta diversas emoções. Mostra como é um ator completo, pronto para novos desafios. Já Passô volta a se reafirmar como um dos principais nomes do cinema nacional. É versátil, encaixa em vários papéis, sempre completa. Aqui, particularmente, está intensa e encarou a personagem com uma seriedade que salta da televisão.

Mas, ainda assim, há alguns probleminhas na trama. Essas histórias paralelas, como a da cobradora e do comerciante, ajudam a dar o tom, mas não chegam a lugar algum. Por mais que temperem a trama, parece que falta uma conclusão, algo a mais. Fica preso no vazio. E há algumas atuações realmente sofríveis. A da MC Carol como Brenda é a mais complicada. Há momentos em que suas falas são ininteligíveis. É compreensível que os diretores queiram levar a verdade pra tela. Mas tudo tem limite.

Ainda assim, porém, No Coração do Mundo é mais um dos grandes filmes nacionais de 2019. Assim como em Temporada, seu realizadores compreenderam a realidade de um Brasil pouco explorado como só quem vive lá conseguiria compreender. É uma discussão social complexa e completa, que se estende para além das telonas. Quem assistir o filme, vai sair com um punhado de perguntas, indagações, pensamentos. Como a velha pergunta se os fins justificam os meios, a condição do brasileiro, a violência como meio de transformação. Perguntais atuais e que precisam ser feitas.

 

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