A maternidade já foi retratada de infindáveis maneiras do cinema. Dentre outras opções, já foi possível assisti-la como um desafio fora de hora (Juno), como parte de um sofrimento sem fim (Kramer vs Kramer, A Troca), como geradora de conflito entre mães e filhos (Álbum de Família, Homens, Mulheres e Filhos) e até como obsessão (Corações Famintos). E é no último quesito, de certa forma, que se insere Minha Amiga do Parque, filme da argentina Ana Katz.
A história, num primeiro momento, parece ser um pós-terror. Uma mãe (Julieta Zylberberg) se encontra sozinha logo após o nascimento de seu filho já que o marido está viajando. Frágil emocionalmente, ela acaba se ancorando em duas irmãs que conhece em suas idas ao parque: as misteriosas Renata (Maricel Álvarez) e Rosa (Katz, que faz um trabalho triplo como diretora, co-roteirista e atriz). Só que as coisas ganham contornos estranhos com o passar do tempo.
Tudo ali parece estar servindo para criar um thriller. Desde a trilha sonora incidental aguda com sons que evocam tensão até a direção de Katz, que privilegia detalhes que causam uma sensação de suspense -- como as falas não ditas, os olhares assustados e descobertas que vão se desenrolando apenas nas entrelinhas e com poucos momentos de real confronto. É o cenário perfeito para criar um verdadeiro thriller social, como já foi visto em Corra! de uma outra maneira e viés.
No entanto, Katz surpreende na direção e acaba levando seu filme para um verdadeiro drama íntimo sobre aprisionamento doméstico, frustração materna e diferenças de classes. Com um roteiro muito elegante e que difere totalmente do agressivo Corações Famintos, o qual foi citado no começo do texto, Minha Amiga do Parque age pelas costas do espectador por meio das entrelinhas. Katz praticamente joga toda responsabilidade de julgamento nas mãos de quem assiste.
Isso, assim como em Corra!, vai causando uma reflexão constante no espectador. E aqui eu peço licença para um relato pessoal sobre minha experiência: no começo do filme, achei que aconteceria algo dentro daquela trama e que isso iria transformar o filme em algo mais pesado. Persisti nessa ideia durante um longo tempo, até que percebi que Katz colocou uma distração fatal para refletir sobre julgamentos sociais, diferenças entre classes e de comportamento.
As atuações também contribuem para isso. Julieta Zylberberg consegue fazer uma mãe que não aceita a sua condição de não poder amamentar e, por isso, acredita que todos querem o mal de seu filho. Está impecável. Ana Katz e Maricel Álvarez, enquanto isso, causam uma boa dicotomia com a protagonista, agindo de um modo completamente avesso ao que ela espera e deseja. Isso tudo ainda amplificado com um edição cadenciada e uma fotografia de cores lavadas.
Minha Amiga do Parque, então, é um daqueles raros casos que, quando sobem os créditos, faz repensar toda história. Os erros de roteiro -- como apenas esbarrar em alguns assuntos -- e coisas mal explicadas não estragam a experiência do longa-metragem, que se mostra como mais um bom acerto do cinema argentino e da distribuidora Descoloniza Filmes, que faz sua estreia no Brasil. Sem dúvidas, Minha Amiga do Parque mereceu o prêmio em Sundance. Vale o ingresso.
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