
Milton Nascimento merece e deve ser homenageado sempre. Afinal, ele é um dos grandes nomes da nossa música brasileira. Não apenas por conta de sua voz e de sua música, mas por tudo que representa -- um homem negro fazendo sucesso dessa maneira, levando multidões para estádios dentro e fora do País. Mas, cá entre nós, merecia muito mais reconhecimento e um melhor documentário do que Milton Bituca Nascimento, estreia desta quinta-feira, 20.
Dirigido por Flávia Moraes, o longa-metragem nasce com uma proposta específica: partir "da turnê de despedida do artista Milton Nascimento, um dos maiores cantores e compositores de todos os tempos, para entender a complexidade simples de sua obra e da alma brasileira".
É isso que diz a sinopse, o material de divulgação e até mesmo o começo do filme. No entanto, Milton Bituca Nascimento frustra repetidamente o espectador com escolhas narrativas e de edição que não contemplam essa difícil missão em mostrar quem é Bituca. Pior: ao falar dessa ideia de acompanhá-lo nos bastidores da turnê de despedida, o espectador naturalmente espera ver mais da conexão de Milton com o público e, claro, um pouco de sua preparação.
Nada disso. A primeira hora de filme é quase que inteiramente tomada por entrevistas de estrangeiros falando sobre Milton. Um ou outro vá lá, como Spike Lee, mas uma dezena? Por quase uma hora? Isso parece refletir uma necessidade frequente do brasileiro em sempre buscar aprovação lá fora, com estrangeiros, como se o sucesso no Brasil fosse limitador, pouco, banal. Passa primeiro por uma aprovação estrangeira para depois ir para o Brasil.
Pior de tudo é que, quando vai para o Brasil, o filme apenas "passa por cima" da temporada de despedida de Milton dos palcos. Usam imagens de terceiros para mostrar os shows e não há quase nada de bastidores. O documentário recai novamente naquela coisa de pessoas falando sobre Milton. Isso é inacreditável: a produção do documentário tinha acesso ao Bituca, mas terceirizam muitas falas para outras pessoas. Como entender uma decisão como essa, afinal?
Milton Bituca Nascimento é um filme sem foco, sem ideias e, pior, sem profundidade. Assuntos mais polêmicos ou complicados, como a doença de Milton, racismo e sexualidade, passam batido. Histórias de músicas não são contadas. Parceiros são entrevistados apenas para que falem como Milton é genial, genial, genial -- e realmente é, mas pessoas como Caetano ou Lô Borges com certeza podem falar mais do que isso. Erro, novamente, de escolhas de direção.
O filme termina numa nota amarga, como se fosse uma oportunidade perdida. Sem foco, atira para todos os lados e não acerta em nenhum alvo. Entrevistas com Milton são desperdiçadas, a oportunidade de falar sobre os bastidores da turnê de despedida é focada apenas no estrangeiro, amigos falam obviedades. Não dá para entender, de verdade. A torcida é para que um outro documentário surja, no futuro, e dê conta da grandiosidade que é Milton Nascimento.


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