Não há dúvidas: Florian Zeller merece todos os aplausos possíveis pelo resultado de Meu Pai, seu primeiro longa-metragem assinando como diretor. Afinal, tudo que vemos na tela é criação de Zeller. A direção é dele, a história é inspirada numa peça do francês e o roteiro foi escrito a quatro mãos com Christopher Hampton (Ligações Perigosas, Desejo e Reparação). Um drama autoral, forte e que conquista pelas atuações soberbas de Anthony Hopkins e Olivia Colman.
Mas, claro, vamos por partes. Meu Pai se aprofunda na relação de pai (Hopkins) e filha (Colman). Ele já é idoso e está começando a ser afetado gravemente pelo Mal de Alzheimer. Começa a confundir alguns rostos, a esquecer de coisas e a confundir a passagem do tempo -- "já se passaram dez anos?", questiona o personagem em determinado momento, claramente confuso. Neste momento doloroso, a filha começa a agir em ziguezague. O que fazer com o pai?
A partir daí, acompanhamos não a evolução complicada dessa relação -- coisa já batida e que vimos em filmes como Amor, Simplesmente Alice e Ella & John. Vemos, na verdade, o olhar desse senhor idoso sobre sua vida, sobre a relação com a sua filha e, acima de tudo, a relação com o entorno. Nós, como espectadores, não somos colocados como visitantes de um zoológico assistindo a derrocada desse homem por entre grades. Nós vivemos a experiência da memória.
A edição sagaz de Yorgos Lamprinos (do excepcional Custódia), junto com o roteiro inteligentíssimo, corta a sensação de tempo linear. O que está na tela aconteceu antes ou só depois? É o passado, presente, futuro? Qual o rosto do marido da personagem de Colman? Ele existe de verdade? Nos perdemos, assim como Hopkins, num mar de informações que não faz mais sentido. Vivemos a experiência. Sentimos na pele o que o protagonista está sentindo.
E isso, é claro, abre espaço para atuações grandiosas. Hopkins está maravilhoso, como não o vemos desde Titus, talvez -- ainda que tenha brilhado com Dois Papas. Ele sabe modular emoções como poucos, convencendo o espectador da confusão mental que atinge seu personagem. Difícil não derramar algumas lágrimas. Colman, enquanto isso, está mais retraída, mas ainda assim brilhante. Ela atua nos silêncios, nos olhares, nos gestos. Que trabalho difícil!
Assim, posso dizer com sinceridade: gosto muito do trabalho de Chadwick Boseman em A Voz Suprema do Blues. Seria bonito ele ganhar como homenagem póstuma. Mas prefiro justiça do que beleza. E, sem dúvidas, é Sir Anthony Hopkins que deve erguer o prêmio do Oscar em 2021. Colman ainda deve ganhar força como coadjuvante, se a campanha for bem feita, mas acho que há atrizes com um pouco mais de chances, como Maria Bakalova por Borat 2 (pois é, absurdo).
Meu Pai é daqueles filmes fortes, naturalistas. Mesmo adaptado de uma peça, não exagera na verborragia e acerta em cheio na emoção. Graças ao trabalho impecável do diretor, que soube como controlar todas as variáveis de uma história tão forte. Poderia ser um pouco menos repetitivo? Sem dúvidas. Assim como poderia ter enxugado um momento ou outro da narrativa, apesar do curto tempo de rodagem. Mas nada disso atrapalha. Um dos filmaços de 2021.
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