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Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: ‘Lou’ é filme frágil sobre mulher à frente de seu tempo

Atualizado: 11 de jan. de 2022


Lou Andreas-Salomé foi uma mulher muito à frente do seu tempo. Nascida na Alemanha do século XIX, a intelectual não teve medo de se arriscar. Enfrentou paradigmas pra poder se embrenhar nos livros, tornando-se uma importante e influente estudiosa de relações sociais e filosóficas do mundo moderno. É de se questionar, então, se uma pessoa tão à frente de seu tempo teria gostado do resultado final de Lou, primeiro filme biográfico sobre a alemã a chegar aos cinemas.

A história acompanha dois momentos da vida de Lou Andreas-Salomé. Primeiro vemos a filósofa já senil (vivida aqui pela alemã Nicole Heesters), isolada do resto do mundo, mas que resolve abrir as portas para um rapaz interessado em contar sua história de vida -- é Ernst Pfeiffer, biógrafo oficial e que “organizou” a obra de Lou após sua morte, anos depois. A partir daí, o filme inicia um enorme flashback para relembrar as várias passagens na vida da intelectual.

E é aí que começa o grande problema do filme. Lou, sem dúvidas, tem uma história muito interessante e cheia de descobertas e percalços pelo caminho. Arrisco dizer que um único filme não bastaria. Só que o longa-metragem, dirigido pela estreante Cordula Kablitz-Post, não consegue se decidir qual aspecto contar. No final, decide pelo mais arriscado e errado de todos: as paixões de Lou Andreas-Salomé. São quase 120 minutos mostrando por quem Lou se apaixonou.

Ora, veja bem. Kablitz-Post tinha em mãos uma história fantástica de uma mulher inteligente e extremamente disruptiva -- odeio essa palavra, mas não há outra melhor. E, no final, ela decide contar como os homens se apaixonaram por ela? Não faz sentido! Assim, sabemos como Nietzsche ficou louco por ela, como Paul Rée foi à falência por sua paixão e como um homem religioso colocou sua vida em risco para tentar viver uma paixão proibida com Lou. E cadê a vida dela?

Bem, a vida dela é resumida a alguns minutos de filme e alguns recursos bem bregas, sem muito sentido. Por exemplo: para mostrar a religiosidade na vida de Lou quando pequena, a diretora insere a imagem gráfica de Deus como sendo um homem velho, barbudo e vestido de branco. É péssimo. Outro recurso é contar passagens históricas da vida de Lou como se ela estivesse dentro de uma fotografia antiga. Não funciona também: o CGI usado beira o vergonhoso.

Ou seja: assim como temos visto em muitas cinebiografias por aí, uma pessoa original e à frente de seu tempo ganhou um produção fraca, sem muito propósito e, pior de tudo, sem um pingo de originalidade. É a mesma coisa que vimos com Stephen Hawking (Teoria de Tudo), Alan Turing (Jogo da Imitação) e Steve Jobs (Jobs). Quer contar a história de uma grande personalidade no cinema? Tudo bem. Mas conte de um jeito que faria essa pessoa ficar orgulhosa.

Outros pequenos detalhes também não funcionam, como a direção de arte brega e a trilha sonora a base de piano (todas cinebiografias de época precisam de uma trilha assim?) que insiste em tentar emocionar e a passar o clima da época. Não desce. E aí você se pergunta: tudo é ruim? Nada se salva? Bem, lembra quando eu disse que uma parte do filme ficava a cargo de Lou já senil, interpretada pela ótima Nicole Heesters? É essa a única âncora para a salvação do filme.

Esses pedaços, que parecem obra de outro roteirista e diretor, dão mais seriedade à Lou, além de conferir certa independência à personagem -- que, até então, era tratada como uma criança apenas por ser mulher. É ali que vemos a intelectual de verdade, sem cortinas, com um retrato extremamente elogioso, real e cru. Pena, porém, que esses trechos se resumem a menos de 25% do filme. Ou seja: dos 120 minutos de projeção, só meia hora agrada. E olha lá!

Lou é mais uma cinebiografia que fica abaixo de seu biografado. Falta originalidade para um personagem que merecia ousadia em cada minuto de filme. Falta inteligência para todos os processos de filmagem. É uma pena, visto toda intensidade que Lou Andreas-Salomé conferiu à sua vida. Quem sabe, daqui alguns anos, outra diretora se prontifique a contar a história da intelectual do jeito que ela merece. Por enquanto, não deu. Lou, sem dúvidas, ficaria decepcionada.

RUIM

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