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Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: 'Intimidade entre Estranhos' é estranho romance nacional


O longa-metragem Intimidade entre Estranhos tem uma trajetória totalmente calcada na música. A inspiração inicial veio da canção homônima da dupla de cantores e compositores Frejat e Leoni, lançada em 2008. É uma música um pouco esquecida na carreira dos dois, mas que apresenta uma letra interessante. "Nada é tão lento quanto o tempo aqui dentro/ Eu e eles e a nossa dor/ Nada é tão denso quanto o tempo em silêncio/ Eu e eles no elevador", diz a canção, que chamou atenção do roteirista Matheus Souza (de Ana e Vitória). Dali, ele extraiu uma boa história, que chega agora aos cinemas pelas mãos de José Alvarenga Jr., visto recentemente com 10 Segundos para Vencer.

A trama, inspirada na tal música, conta a história do casal Maria (Rafaela Mandelli) e Pedro (Milhem Cortaz). Ele, ator de pegadinhas, foi chamado para participar de uma minissérie bíblica portuguesa, gravada no Rio. Contrariada, Maria, designer de vitrines, precisa se mudar temporariamente para a Cidade Maravilhosa afim de salvar o casamento. No entanto, aos poucos, a coisa vai degringolando de vez e ela, sozinha e com tristes lembranças, acaba se envolvendo com o estranho síndico de seu prédio, o jovem Horácio (Gabriel Contente). É a deixa para o início de um romance estranho, cheio de pormenores, sobre diferenças de idade, desconforto e, principalmente, solidão.

Alvarenga Jr., aqui, está mais solto e dá pra sentir melhor a mão do diretor na história -- afinal, não há o peso e a responsabilidade de se contar a vida de um boxeador mundialmente famoso como em 10 Segundos para Vencer. Desde o primeiro minuto de filme, o diretor brinca com planos e com possíveis significados de cenas. Por qual motivo a protagonista chora? O que aconteceu com o marido? Como um adolescente é síndico do prédio? Aos poucos, sem nenhuma pressa, ele vai montando o quebra-cabeça e mostrando que Intimidade entre Estranhos é bem mais do que um filme sobre um casamento fracassado ou, então, sobre a perseguição de um síndico chato com o casal.

Para isso, os atores são colocados em extremos de sentimentos. Rafaela Mandelli (da novela A Terra Prometida) passeia entre emoções: vai da raiva à realização, do medo ao conforto, da felicidade à tristeza. E carrega essa responsabilidade com propriedade -- uma surpresa, já que é a estreia dela nas telonas. Carrega grande parte do filme nas costas. Afinal, o jovem Gabriel Contente (Malhação) não consegue apresentar atuação tão forte e contundente. Acaba ficando no raso. E o sempre ótimo Milhem Cortaz (de O Lobo Atrás da Porta) se sai bem, mas acaba ficando unidimensional demais. O filme é, sem dúvidas, de Mandelli. Ela e sua personagem que tomam conta da cena e da trama.

É com ela, afinal, que o longa-metragem ganha seus contornos mais interessantes. Ainda que a música feita por Horácio seja interessante e as cenas da tal minissérie bíblica com Cortaz sejam divertidas -- já que o ator também estava na série religiosa A Terra Prometida --, são os dramas de Maria que movem a trama. Algumas coisas passam pela superfície, como a relação com o pai ou o sofrimento pelo alcoolismo do marido. Mas não é isso que Matheus Souza e Alvarenga Jr. querem contar. Eles pretendem, e conseguem, mergulhar de cabeça na mente dessa mulher e no sofrimento que ela passa. A relação com Horário e Pedro, de certa forma, são adornos narrativos.

Aos poucos, então, Intimidade entre Estranhos se mostra como sendo um romance extremamente autoral, diferente e até estranho -- como ressaltado no título. Há distanciamento de algumas atitudes e estranhamento com certas decisões, principalmente pela falta de profundidade de personagens de suporte, mas o aspecto "estranho" acaba por ser positivo. Alvarenga Jr. se assume assim e leva a função de causar desconforto adiante. É longo demais, batendo quase duas horas de duração, e acaba cansando. Mas a objetividade de certos atos e o frescor dessa ideia original fazem com que o filme não murche e chegue ao final causando reflexão e provocando.

Afinal, como dito lá no começo do texto, não é um romance qualquer. É um filme repleto de palavras entrecortadas, coisas não ditas -- e outras ditas sem pensar -- e uma boa dose de atitudes impensadas. É aquilo mesmo que os personagens estão sentindo? Ou é tudo fruto de uma situação pouco favorável? Interessante de pensar, de refletir, de se indagar ao final da sessão. Um filme interessante, com seus altos e baixos, mas que vale ser conferido por quem quer buscar algo diferente do usual no gênero do romance. Este, sem dúvidas, não fica apenas nas paixões, nos deslumbramentos e nas emoções rasas. Vai além.

 

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