Quando falamos em thrillers de ação, sempre pensamos em tiro, porrada e bomba. Afinal, foi assim que o cinema americano nos ensinou e nos acostumou -- e que, de alguma forma, acaba respingando pra fora de Hollywood. Por isso, é de se estranhar o ritmo e o clima encontrados em Inimigos Íntimos, novo filme francês que acaba de desembarcar no catálogo da Netflix.
Dirigido por David Oelhoffen (Longe dos Homens), o longa-metragem se debruça sobre a história de dois homens, amigos de infância, que foram separados pela vida. De um lado, Manuel (Matthias Schoenaerts) é um homem que entrou pro mundo do crime e pro tráfico de drogas. Do outro, Driss (Reda Kateb) acabou entrando para a polícia pra combater a violência de seu País.
Os dois, porém, voltam a se encontrar quando uma negociação de Manuel com traficantes dá muito errado e ele, imediatamente, se torna o principal alvo da polícia e de comparsas do crime.
Com uma direção lenta e quase contemplativa, Oelhoffen prefere valorizar as sequências de pessoas do que de perseguições, tiros e violência. Há elementos que nos fazem identificar o filme como um thriller, mas a história tem foco no ser humano e assim é desenvolvida. Assim, os mais de 110 minutos de duração acabam se detendo mais nas camadas dos personagens.
Isso se deve muito ao roteiro da estreante Jeanne Aptekman e do próprio Oelhoffen. Os dois fazem com que o desenvolvimento emocional dos personagens seja a linha narrativa da história, e não os avanços da investigação. Isso dá um outro clima e ar pra produção, que deixa de ter um ar hollywoodiano para abraçar o que é comum nas produções francesas que vemos por aí.
Matthias Schoenaerts (Ferrugem e Osso) e Reda Kateb (A Hora mais Escura) embarcam bem em seus personagens e investem tudo na construção de seus tipos. É interessantíssimo, principalmente, notar o desenvolvimento de Schoenaerts com seu Manuel, que passa por uma transformação brutal ao longo da projeção. Ele é um grande ator e que tem muito a explorar.
No entanto, esse fator diferencial do filme -- de ser mais contemplativo e focado nos personagens -- também tem seus contras. O fato é que Inimigos Íntimos é lento demais. Os 110 minutos demoram a passar pela tela e algumas sequências dão sono, com excesso de diálogo e de repetição. Quem busca um thriller convencional, então, vai se decepcionar com o que vê.
E o final é estranho, bizarro e quase patético. É, de alguma forma, compreensível o que Oelhoffen quis fazer, mas o anticlímax acaba tomando conta. Assim, infelizmente, Inimigos Íntimos termina numa nota baixa, amarga. Os pontos positivos do longa-metragem se tornam apenas cosméticos perto do sentimento com o final. Difícil entender essa decisão do diretor.
Mas, ainda assim, este é um bom longa-metragem da Netflix. Sonolento? Sim. Estranho em alguns momentos? Com certeza. Mas segue um caminho diferente do que estamos acostumados e se arrisca, com bons atores interpretando personagens complexos, com boas camadas, e que falam sobre a realidade de países europeus. Merece ser assistido.
Para apreciar "Inimigos Íntimos" a audiência teria que ter uma quantidade de informações sobre a Europa que 90% das pessoas (ou mais) fora da Europa não têm. A Europa dos sonhos dos latino-americanos, africanos e asiáticos é idílica. Um lugar de vida equilibrada, sistemas de saúde perfeitos, divisão da renda justa, enfim, um paraíso na terra. Só que não. O filme nos mostra como é a vida dos milhões de imigrantes africanos, asiáticos, latino-americanos e mesmo de Portugal ou da Europa Oriental que vão "tentar a vida" na França, Inglaterra, Alemanha, por exemplo. A Europa branca não os recebe bem. Ela não tem oportunidades boas para estas pessoas. O filme nos mostra que nos subúrbios de Paris, os chegados das…