No estado americano de Ohio, uma fábrica da montadora GM fecha as portas. É o efeito direto da crise de 2008, que ainda vitimiza a economia dos Estados Unidos ao fechar grandes polos industriais e de emprego. E assim, no lugar da antiga montadora, nasce o efeito direto do mundo globalizado: uma fábrica chinesa de vidros de carros, que quer tomar a liderança global do setor.
Este é o foco narrativo do excelente documentário Indústria Americana, de Julia Reichert e Steven Bognar, na Netflix. Forte concorrente para o Oscar de Melhor Documentário, em 2020, a produção busca compreender o dia a dia dos trabalhadores americanos na fábrica chinesa e dos chineses trabalhando em solo americano. Sempre levando em consideração a diferença cultural.
Afinal, mais do que mostrar uma linha de produção chinesa crava em pleno solo de Ohio, o documentário quer mostrar como as culturas agem de maneiras diferentes frente ao mercado de trabalho por conta da própria História. Sem nunca julgar nenhum dos lados, a dupla de diretores exibe isso na tela, se aprofunda e dá a deixa para o espectador montar a sua visão.
Depois, tecendo uma conversa franca com o documentário brasileiro Estou me Guardando para Quando o Carnaval Chegar e com o drama francês de ficção Em Guerra, o longa da Netflix também se aprofunda nas novas relações de trabalho e nas novas demandas do mercado. Horas a mais de trabalho, pouco descanso, sem sindicalização, abusos patronais, dentre outras coisas.
É um oceano de reflexões promovido pelo documentário de Reichert e Bognar, que se valem da câmera para transitar entre visões diferentes, objetivos distintos e modus operandi quase conflituoso. O mundo globalizado, dessa maneira, tem suas benesses. Mas, também, traz o enorme desafio de fazer com que culturas encontrem um meio-termo. Será que isso existirá?
E além de mostrar a rotina dos trabalhadores de chão de fábrica, Indústria Americana também se prontifica a mostrar um pouco da vida e do modo de agir do CEO chinês da fábrica de vidros. Milionário e com gostos próprios, ele manda e desmanda, sem se importar com legislação, gastos ou com o american way of life. E, de novo, há pontos positivos e negativos na abordagem.
Afinal, por mais que o CEO parece ser um homem sem escrúpulos e mais interessado no lucro, o documentário dá munição para que o espectador, novamente, entenda aquela situação e a interprete da melhor maneira possível. Um ocidental, acostumado com o estilo de vida americano, vai achar um absurdo. Um oriental vai enxergar o executivo como homem de visão.
No entanto, vale ressaltar um leve problema de Indústria Americana: por mais que seja maravilhosamente desafiador acompanhar o dia a dia na fábrica pelos olhares de Reichert e Bognar, há um excesso de discussões colocadas em pauta. Automatização do trabalhador, sindicalização, globalização, modo de trabalho... Tudo isso entra em pauta em 100 minutos.
Acaba ficando inchado e caudaloso demais. Não é como Em Guerra e Estou me Guardando, que tratam de sindicalização e mercado de trabalho, respectivamente. Indústria Americana quer ir muito além e fica saturado. No entanto, ainda assim, é um dos grandes filmes do ano. E que, tristemente, conversa com a realidade dos trabalhadores de todo o planeta. Inclusive do Brasil.
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