Complicado falar sobre Amanda. Afinal, há uma informação delicada, que acontece só lá pela metade do filme, que traz um impacto assombroso para quem não sabia detalhes sobre a trama. Erro das sinopses divulgadas pela distribuidora Imovision, que entregou essa sutileza narrativa sem pensar duas vezes. O que digo, então, é que este excelente filme francês conta a história da família Sorel. Os irmãos David (Vincent Lacoste) e Sandrine (Ophélia Kolb) cresceram sem a figura materna. A filha de Sandrine, a pequena Amanda (Isaure Multrier), enquanto isso, cresceu sem a figura do pai. São apenas eles.
E o filme, dirigido por Mikhaël Hers (Aquele Sentimento do Verão), vai tocando essa jornada familiar até que um acontecimento marca, novamente, a vida desse pequeno núcleo familiar. Há uma quebra. Um antes e um depois na narrativa, que choca, emociona. E traz uma torrente de sensações na tela do cinema, fazendo com que essa trama, que parecia banal e esquecível até seus quarenta primeiros minutos, se torne algo bem mais poderoso, marcante e bem produzido. Hers tem alguma coisas a falar e o faz, sem pensar duas vezes, em cenas contundentes e cheias de significado por si só.
Há, por exemplo, fortes significações dos cenários e dos figurinos utilizados, referenciando a bandeira francesa. Antes do tal acontecimento marcante, há muito uso de vermelho. Depois, de azul e branco. Ao fim, o vermelho volta a ser usado, ainda que com parcimônia. Isso sem falar em diálogos fortes e essenciais para a trama no geral.
No entanto, o grande ponto que faz com que Amanda seja um filme tão memorável é a jornada de dois personagens em particular: David e Amanda. Ele é um rapaz, na casa dos vinte anos, que parece não ter vontade de crescer. Trabalha em dois empregos, tem uma espécie de relacionamento com a vizinha Léna (Stacy Martin), mas não é muito chegado em compromissos. Amanda, enquanto isso, é uma criança esperta, cheia de vivacidade, e que adora a vida que leva com a mãe e com as aparições do tio.
Depois dessa quebra de narrativa, porém, ambos personagens se transformam na tela. É absolutamente memorável o desenvolvimento que o roteiro de Hers e de Maud Ameline (A Natureza do Tempo) faz dos personagens. É cru, extremamente realista, e apresenta a fragilidade das relações humanas. Em especial é preciso notar a transformação de Amanda -- não é à toa que dá nome ao filme. Respeitando o fato de ser uma criança, filme insere elementos emotivos ao redor da personagem. Fortíssimo.
Nada disso seria possível, porém, se não fosse as atuações. Vincent Lacoste (Primeiro Ano) se mostra cada vez mais como um ótimo ator em ascensão no cinema francês. Traz todos elementos necessários para seu papel: insegurança, medo, resistência, desejo de prosseguir. É um trabalho notável. A boa Ophélia Kolb (A Incrível Jornada de Jacqueline) ajuda a dar sustentação ao personagem. Mas o grande destaque é a pequena estreante Isaure Multrier. É daquelas atuações mirins históricas, marcantes. Lembra muito o que o pequeno Jackie Cooper fez no histórico O Campeão, de 1931.
Pena, porém, que a personagem de Stacy Martin (Ninfomaníaca) seja tão pouco determinante na trama. Fica até um pouco difícil entender sua função e sua necessidade em determinado ponto. Por causa de sua personagem, este é um filme 4,5/5. Se houvesse mais sentido em sua personagem, seria um dos raros casos de produções 5/5. Aqui, no Esquina, arredondamos a nota para cima. Mas fica a ressalva importante.
Amanda é um filmaço sobre intolerância, crescimento, amadurecimento, medo, necessidade de se adequar às mudanças. Muito necessário numa França -- e num mundo, no geral -- cada vez mais xenófobo. Afinal, coisa podem acontecer. E é preciso refletir, lutar e levar a essência infantil e pura de Amanda como lição. Quando assistir, repare numa pergunta que a criança faz para o tio enquanto passeiam num parque e vê muçulmanos sento insultados. É essa ingenuidade que precisa ser levada a diante.
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