Pornochanchada foi o título depreciativo que espectadores, exibidores e distribuidoras encontraram para categorizar um tipo de filme muito comum na década de 1970. Eram produções de baixíssimo orçamento que misturavam tramas mirabolante com nudez feminina para chamar a atenção e vender ingressos. E como vendia: dentre as 25 maiores bilheterias no País entre 1970 e 1975, nove foram filmes de pornochanchada.
No entanto, o aspecto popularesco dessas produções, que iam contra a moral e os bons costumes, acabou nivelando a pornochanchada para baixo. Ao contrário de ser valorizada como um tipo de expressão social num momento de censura política, o gênero acabou perdido na memória das pessoas e, hoje, ainda considerado imoral, fútil e de baixa qualidade. Mas será que a pornochanchada é tudo isso mesmo que falam?
Ao parar para assistir alguns dos clássicos do gênero, como A Dama da Lotação ou, até mesmo, o pseudo-pornográfico Oh! Rebuceteio, fica claro como há uma forte camada de experimentalismo e de crítica social dentro de suas histórias. Por mais fracas e estruturais que elas sejam, por trás delas encontravam-se grandes nomes das artes, tal qual Silvio de Abreu (sim, o das novelas), Carlos Reichenbach e Ody Fraga. Nomes que sabiam como traduzir os anseios da população pra tela, por mais alternativo que fosse o filme.
Essa questão social, tão intrincada dentro das pornochanchadas e submergidas em meio ao preconceito com o gênero, é o principal resgate do documentário Histórias que nosso cinema (não) contava, que chega às salas nesta quinta-feira, 23. Dirigido pela cineasta Fernanda Pessoa, estreante em longas, o documentário se vale de fragmentos de filmes da pornochanchada para, basicamente, construir uma linha do tempo sobre a Ditadura Militar.
No entanto, obviamente, os objetivos de Fernanda são maiores do que apenas relembrar, historicamente, o que foi o período de censura e tortura promovido no Brasil entre 1964 e 1985. O documentário, usando filmes da época, mostra como a pornochanchada estava inteiramente ligada aos acontecimentos sociais ao seu redor. Não eram, afinal, apenas filmes de sacanagem. A pornografia era só uma das camadas.
Para evidenciar isso, a cineasta se furta de qualquer tipo de narrativa óbvia, em off -- como Todos os Paulos do Mundo, também um documentário de montagem, acabou se valendo. A única linha narrativa de Histórias que nosso cinema (não) contava é uma indicação de qual período está sendo abordado. Não há didatismos, nem interferências mirabolantes da ditadura. Há apenas pornochanchada, edição e diálogo invisível com os espectadores.
Elevando a qualidade do longa-metragem, há também um trabalho de pesquisa realmente interessante. Fernanda Pessoa não usou filmes óbvios do movimento, como os já citados aqui. Ela foi para um lado mais obscuro do gênero, como A Árvore do Sexo, Os Mansos e, claro, Histórias que nossas babás não contavam -- que inspirou o título do documentário. É um resgate importante e que confere um valor histórico ao filme.
Ao fim de Histórias que nosso cinema (não) contava, aliás, difícil não perceber o quão importante é sua realização. Ainda que a ausência de narrativa acabe cansando em alguns momentos, apesar de seus parcos 80 minutos, e haja certo exagero de uso de alguns filmes, como O Corpo Devasso e O Bom Marido, o novo documentário de Fernanda Pessoa é uma peça importante na recuperação da memória do cinema nacional.
A pornochanchada, afinal, pode não agradar todos. Mas, sem dúvidas, faz parte da construção do Brasil como sociedade. Grande filme, que merece ser assistido.
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