Um dos grandes problemas das cinebiografias é a sede em querer retratar muito em pouco tempo. Há uma preocupação em querer contar uma história linear para a audiência, encaixando vidas inteiras -- e interessantes -- em 120 minutos. Não é prático, não é digno em relação ao biografado e pouquíssimas vezes funciona nas telas. Gauguin: Viagem ao Taiti, que chega aos cinemas nesta quinta-feira, 23, já acerta ao escapar disso.
Dirigido pelo francês Edouard Deluc (Casamento em Mendoza) não tem a pretensão de narrar todos os 54 anos de vida do pintor modernista Paul Gauguin. Logo no começo de Gauguin: Viagem ao Taiti -- e já no título, é claro --, fica claro que o foco do diretor e roteirista está na estadia do artista no país oriental, onde ele escapa da sua realidade, da família, das obrigações e da difícil vida capitalista. É ele, seu pinceis, sua musa e a selva.
Essa despretensão de Deluc com seu biografado eleva o nível do longa-metragem. Ao invés de contar a história do pintor tintim por tintim, desde seu nascimento até a morte, é mostrado esse fragmento. Fica como responsabilidade ao espectador, então, ir descobrindo mais sobre a personalidade do artista. E não é tão difícil: seja realidade ou clichê do filme, ele é aquele sonhador problemático que larga mulher e filhos para viver o sonho da pintura. É romantizado demais e tira alguns pontos do filme, mas não chega a estragar.
Afinal, Vincent Cassel vive um Gauguin impecável. Anteriormente, o artista tinha aparecido apenas como coadjuvante em outras cinebiografias -- como na de Van Gogh, de 1990. É interessante, então, entender um pouco da personalidade desse artista tão incompreendido e ainda pouco descoberto. Seu processo de criação, sua maneira de pintar, a relação com a natureza. Tudo isso está certeiro nas "pinceladas de Cassel" -- como tão bem foi pontuado pelo Estadão. É bonito de ver na tela Cassel em ação.
Além do mais, Gauguin é lindamente filmado. Deluc, em parceria com o diretor de fotografia Pierre Cottereau (Café de Flore), resplandece na tela e ganha momentos próprios dentro do filme. A floresta, as cores e a natureza ganham um sentido próprio dentro da produção, coisa tão importante para compôr a figura de um artista como Paul Gauguin. Mais do que arte como retrato, é preciso ter a arte como moldura numa obra assim.
O que pode atrapalhar aos espectadores mais afoitos é o ritmo de Gauguin: Viagem ao Taiti. Assim como alguém que senta em meio às árvores para admirar o mundo passar na sua frente, o longa-metragem -- mesmo com apenas 100 minutos de duração -- leva uma infinidade de tempo para contar o que realmente importa. O sensibilidade, aqui, é aguçada, exigindo que o espectador também a desperte. É um exercício de coexistência complexo de se ter no cinema e que pode render frutos positivos ou negativos. Vai de cada um.
Ainda assim, Gauguin: Viagem ao Taiti é um bom retrato de um artista tão importante na construção do conceito de arte. É problemático em seu ritmo e no clichê que sustenta a figura do próprio artista, mas não atrapalha o mergulho sensorial, artístico e história da obra. Sem dúvidas, vale a pena conferir a cinebiografia nos cinemas. Às vezes, é bom se sensibilizar.
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